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Caça tardia: a lenta descoberta do nazista Gustav Franz Wagner em Atibaia

Gustav Franz Wagner residiu no interior de São Paulo, na cidade de Atibaia, região bragantina.
Caça tardia: a lenta descoberta do nazista Gustav Franz Wagner no Brasil

Julho de 2025, Atibaia (SP) — Quase oito décadas separam 2025 do fim da Segunda Guerra Mundial, mas os ecos daquele período sombrio seguem reverberando na história recente. Ainda que a distância geográfica e temporal sugira um passado remoto, convém não se enganar pois o Brasil não apenas participou do conflito por meio da Força Expedicionária Brasileira (FEB), como também teve papel direto na identificação e localização de integrantes do alto escalão nazista, já nas décadas finais do século XX, especialmente na região de Atibaia, interior de São Paulo.

Com base em documentos históricos, arquivos judiciais e registros oficiais, a redação do VTVNews preparou uma série especial em quatro partes que percorre as tramas que trouxeram criminosos de guerra ao território brasileiro e desemboca na morte de um “uma besta” da Segunda Guerra. Uma morte que chama atenção à cidade de Atibaia; a de Gustav Franz Wagner, um dos nomes mais temidos do regime nazista.

  • NOTA DA REPORTAGEM: Dada a extensão das informações apuradas com base em documentos oficiais, disponibilizados por via de Lei de Acesso à Informação e outros meios, a reportagem foi dividida em quatro partes, cada uma dando continuidade à anterior de maneira cronológica.

O Brasil foi palco de decisões judiciais que marcaram o destino de dois dos mais notórios oficiais do campo de extermínio de Sobibor, responsáveis pela execução de mais de 600 mil prisioneiros, dentre judeus e opositores do regime de Adolf Hitler: Franz Paul Stangl e Gustav Franz Wagner. 

Embora ambos tenham vivido no Brasil após o conflito, o Supremo Tribunal Federal do Brasil adotou posicionamentos distintos sobre seus pedidos de extradição — deferindo o de Stangl e negando, por unanimidade, o de Franz Wagner.

Wagner e Stangl, responsáveis pela morte dos judeus moravam no Brasil. Wagner, em específico, residia no interior de São Paulo, na cidade de Atibaia, na região bragantina.

Além da presença dos remanescentes nazistas – capitão Stangl, e de seu subordinado, o segundo-sargento Wagner – outros apoiadores do regime foram identificados no país. Durante a Segunda Guerra, apoiadores do regime nazista passaram a endossar a ideologia durante a Era Vargas. Um dos casos mais emblemáticos foi o de Blumenau entre 1940 e 1944, onde uma célula nazista ganhou força com o fim da Segunda Guerra na Europa.

Caça tardia: a lenta descoberta do nazista Gustav Franz Wagner no Brasil
Gustav Franz Wagner foi subordinado de Paul Stangl durante a Segunda Guerra (Foto: Reprodução / Arquivo Público de SP / Arte: Iago Y. Seo)

Comemoração pelo aniversário de Hitler

Março de 1944, Blumenau, SC — Documentos da Delegacia Regional de Polícia de Blumenau, obtidos pela reportagem do VTVNews e datados em 1944, revelam um detalhado monitoramento das atividades de cidadãos alemães no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, em especial a celebração do aniversário de Adolf Hitler.

A denúncia foi apresentada em março de 1944 — um ano antes do fim do conflito — por um ex-agente do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Entretanto, a comemoração foi identificada quatro anos antes. Bernardo Rautt foi designado na noite de 20 de abril de 1940 para fazer o policiamento em um evento de comemoração ao aniversário de Adolf Hitler: “Declarou que, no dia 20 de abril de 1940, presenciou comemoração do aniversário de Adolf Hitler, realizada na sede da Sociedade dos Atiradores de Joinville.

Segundo o depoimento de Bernardo, a festa foi organizada com o conhecimento da Delegacia, sendo permitida desde que apenas indivíduos de confiança do consulado alemão participassem do evento. O juramento de fidelidade ao Chefe do Governo Alemão foi prestado de forma pública, sendo reafirmado solenemente por muitos dos presentes. Acrescentou que havia uma lista restrita de convidados, cujos nomes foram fornecidos com antecedência à delegacia.

O documento inclui termos de declarações prestadas por outras duas pessoas além de Rautt: João Kieser e Leonardo Schlossancher, que lançam luz sobre o cenário político da colônia alemã em Blumenau na época.

Caça tardia: a lenta descoberta do nazista Gustav Franz Wagner no Brasil
Sede do Partido Nazista e Integralista funcionavam no mesmo local em Santa Catarina (Foto: Reprodução / Acerco Ana Dietrich)

Foi informado que cerca de 400 a 450 pessoas participaram da cerimônia, na qual muitos declararam fidelidade ao Führer. O declarante não participou da referida reunião, mas soube que muitos alemães residentes em Joinville compareceram ao consulado e alistaram-se como auxiliares da Alemanha, na vitória sobre os países democráticos, dizia o documento do inquérito policial.

Um ofício do Delegado Regional de Polícia de Blumenau ao Delegado do DOPS em Florianópolis, descreve a festa comemorativa do natalício de Hitler, realizada na Sociedade dos Atiradores. De acordo com o delegado, a permissão para o evento foi concedida após a interpelação do Cônsul Alemão, Bruno “Heckin”, que garantiu que a festa seria restrita a “adeptos do Partido Nacional Socialista e de inteira confiança”

“[…] pessoas de confiança do Consulado Alemão participaram das cerimônias comemorativas do aniversário de Adolf Hitler em Joinville [20 de abril de 1940]. O juramento de fidelidade ao Führer foi realizado por todos os presentes na festa, em ambiente fechado, com lista restrita de convidados. O declarante não foi convidado para tal comemoração, tampouco presenciou o ato, mas ouviu falar que, entre os que compareceram, estavam os alemães considerados simpatizantes ou militantes do partido nazista”, narrou o documento.

Para assegurar a ordem e identificar os participantes, a Delegacia solicitou e recebeu uma lista nominal dos convidados, à qual a reportagem teve acesso. Dois funcionários da polícia foram destacados para monitorar a entrada, conferindo a lista, sendo um deles Bernardo. O ponto alto da celebração foi um ato solene onde os presentes, acompanhando o gesto do Cônsul, “reafirmavam o juramento de fidelidade ao Führer”. O documento ressalta que, na época, a polícia agia preventivamente para identificar essas tendências políticas, enquanto mais tarde, muitos presentes tentavam encobrir sua participação.

Ainda segundo o documento, “foi relatado que, apesar de sua nacionalidade, muitos descendentes de alemães residentes em Joinville recusavam o envolvimento direto com o nazismo, inclusive por receio de retaliações políticas ou por incompatibilidade religiosa — especialmente católicos e evangélicos que se opunham ao regime totalitário e racista.”

Os depoimentos confirmam que diversas agremiações como “Socorro de Inverno”, “Frente de Trabalho” e “Círculo de Amigos de Hitler” estavam sob o controle e orientação do NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães) e prestavam obediência a ele. Elementos como Curt Liscke e Max Conradt são apontados como figuras-chave na distribuição de “brochures” de propaganda nazista enviadas diretamente da Alemanha.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, essa célula nazista desapareceu de Blumenau bem como seus adeptos. Entretanto, o fim do conflito marcou a história jurídica posteriori do país com a identificação dos remanescentes do alto escalão nazista.

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Cópias do inquérito do DOPS detalham a dinâmica da “festa nazista” (Foto: Iago Y. Seo / Arquivo Público de SP)

Exílio dos demônios do Sobibor

Documentos confidenciais revelam a captura de Franz Paul Stangl no Brasil, um dos mais procurados criminosos de guerra nazistas, conhecido por seu papel no extermínio de centenas de milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Stangl, que vivia em São Paulo sob o nome de Paul Stangl e trabalhava na Volkswagen, foi preso em 28 de fevereiro de 1967, desencadeando um processo de extradição e mobilizando autoridades brasileiras e internacionais.

Franz Paul Stangl, nascido em 26 de março de 1908, na Áustria, construiu uma nova vida no Brasil. Casado com Therese Stangl e pai de três filhas – Renate, Brigitta e Isolde –, ele residia na Rua Frei Gaspar, no Brooklin Paulista, e há cerca de sete anos ocupava o cargo de Chefe da Seção de Manutenção Elétrica na Volkswagen. No entanto, por trás dessa fachada de normalidade, escondia-se um passado sombrio.

Franz Paul Stangl ingressou na polícia ainda nos anos 1930 e teve uma trajetória acelerada após a anexação do país pela Alemanha. Declarou-se membro do Partido Nazista desde 1936 — afirmação desmentida posteriormente, mas suficiente para evitar sua prisão. Durante a guerra, esteve à frente de Sobibor e foi diretamente responsável pela organização do extermínio de milhares de judeus.

Segundo o arquivo geral da do DEOPS, Stangl é responsabilizado pelo extermínio de 700 mil judeus, atuando como comandante de campos de liquidação. Em novembro de 1940, na Áustria, Stangl organizou a morte de 30 mil pessoas doentes em câmaras de gás no campo de concentração de Hartheim. Posteriormente, como comandante do campo de Sobibor, na Polônia, foi responsável pela liquidação de 30 mil holandeses e cerca de 180 mil judeus.

Seu período mais brutal, no entanto, foi entre meados de 1942 e 1943, como administrador e encarregado da construção do campo de extermínio de Treblinka, também na Polônia. Documentos indicam que, sob seu comando, centenas de milhares de judeus de Varsóvia, Bialystok, Alemanha, Iugoslávia e Tchecoslováquia, entre outros, foram assassinados em câmaras de gás. Os arquivos de Treblinka registram a morte de 320.322 judeus.

Stangl era um SS-Hauptsturmführer e sua carreira no regime nazista começou na polícia austríaca, infiltrando-se em organizações nazistas antes de assumir funções administrativas em campos de extermínio, onde, segundo relatos, sabia que os óbitos não eram naturais, mas sim a eliminação de doentes e pessoas com deficiência. Após a guerra, Stangl foi internado em um campo americano na Áustria, entregue às autoridades austríacas e preso em Linz, de onde fugiu em maio de 1948. Ele escapou para a Síria, via Itália, onde se reencontrou com sua família, antes de vir para o Brasil.

A Justiça da Áustria e da Holanda mantinham ordens de prisão contra ele. A localização de Stangl no Brasil não foi totalmente estabelecida, mas o Centro de Documentação Judaica em Viena, liderado por Simon Wiesenthal, teve papel crucial. Wiesenthal afirmou que a informação sobre Stangl custou “um centavo por cabeça”, sendo fornecida por um ex-membro da Gestapo por 15 mil dólares.

Fevereiro de 1967, São Paulo, SPFranz Paul Stangl foi preso pela Polícia Federal na tarde de 28 de fevereiro de 1967, ao sair do trabalho na Volkswagen. Levado ao Departamento de Ordem Política, ele negou ser um criminoso de guerra.

O governo austríaco imediatamente solicitou sua extradição ao Itamaraty. A lei brasileira, para casos de extradição, exige que seja formalmente declarado que o extraditado não será condenado à morte, mesmo que a Áustria não aplique tal pena. Essa condição visava evitar que Stangl fosse transferido para outro país onde a pena capital fosse admitida.

Em 2 de março de 1967, Stangl foi transferido de avião da Força Aérea Brasileira para Brasília, onde aguardaria a decisão do governo sobre seu destino. A prisão gerou preocupações com possíveis atentados a propriedades e cidadãos israelenses em São Paulo, levando as autoridades a reforçar a segurança em bairros como Luz e Bom Retiro

A ordem de prisão para extradição, emitida pelo Juiz Inquiridor de Düsseldorf em 17 de março de 1967, acusa Stangl de assassinato em conjunto com outros indivíduos e de ter se subtraído à perseguição penal por fuga ao estrangeiro. As acusações são graves e detalham a participação de Stangl na “Solução Definitiva do Problema Judaico“, o plano de extermínio físico de judeus pelos nazistas. O documento detalha que Franz Stangl é “iminente e suspeito” de ter matado, por motivos abjetos, em Treblinka (Polônia), entre agosto de 1942 e agosto de 1943, em ação conjunta com outras pessoas, e por vários atos independentes:

  • Um número indefinido de seres humanos, mas pelo menos 300.000 homens, de maneira pérfida e cruel.

  • Em uma data não determinável entre agosto de 1942 e agosto de 1943, 15 homens.

  • Em 8 de agosto de 1943, 8 homens.

Abril de 1967, Brasília, DF — Um documento do Supremo Tribunal Federal, datado em 10 de abril de 1967, revela o pedido formal da República Popular da Polônia para a extradição de Franz Paul Stangl, identificado como um “criminoso hitlerista de guerra”. O processo, de número 273, tem como relator o Ministro Victor Nunes.

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Victor Nunes Leal foi ministro da Suprema Corte entre 1960 e 1969 (Foto: Reprodução / Acervo do STF)

O pedido de extradição teve início com uma nota verbal da Polônia ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, datada de 27 de março de 1967, informando sobre a iminente remessa da solicitação formal de entrega de Stangl, que já havia sido preso no Brasil. A nota verbal formal e os documentos de acusação foram anexados em 3 de abril de 1967. Outros “restantes documentos”, incluindo peças e o libelo de acusação da instrução criminal em Düsseldorf, Alemanha, foram entregues posteriormente.

Franz Paul Stangl foi interrogado e a defesa do extraditando foi apresentada pelo professor indicado como “F. M.” Xavier de Albuquerque.

  • Apesar de não haver confirmações, historiadores ouvidos pela redação especulam que “F. M.” trata-se de Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, indicado depois ao STF em janeiro de 1968 por Emílio Gaspar Médici.

O documento aponta que o pedido de extradição atende aos requisitos formais do artigo 7º do Decreto-Lei 394. Isso inclui a decisão ordenatória da prisão, a indicação precisa do fato incriminado com data e local, e a cópia dos textos da lei penal aplicável, inclusive os referentes à prescrição, do Código Penal de 1932 e do Decreto Especial de 22 de abril de 1964.

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O nome “F. M. Xavier de Albuquerque” é citado nos autos do pedido de extradição da Polônia (Imagem: Arquivo do STF)

Adicionalmente, o Ministério da Justiça remeteu notas verbais da Embaixada da Polônia, uma de 24 de abril, assegurando o respeito das eventuais condições de entrega, e outra anterior, de 17 de abril, oferecendo reciprocidade. Após a juntada de um pedido formal da Áustria em 5 de abril, a defesa de Stangl se pronunciou sobre as notas verbais polonesas.

Junho de 1967, Brasília, DF — No dia 7 de junho de 1967, o STF reuniu em uma mesma sessão três pedidos de extradição contra Stangl — formulados por Áustria, Alemanha Ocidental e Polônia — além de um Habeas Corpus preventivo. Sob relatoria do ministro Victor Nunes Leal, a Corte decidiu conceder a extradição à Alemanha e à Áustria, com preferência para a primeira. O pedido polonês foi negado.

A decisão levou em consideração a posição hierárquica de Stangl no Partido Nazista, sua atuação direta no campo e sua ascensão antes mesmo do início do conflito. O relator rejeitou a tese de coação moral como excludente de culpabilidade, argumentando que sua aplicação irrestrita resultaria na impunidade de criminosos de Estado.

Após ser extraditado, Stangl foi condenado à prisão perpétua em Düsseldorf, em 1970, mas morreu no ano seguinte, em 28 de junho de 1971, aos 63 anos. Concedeu sua última entrevista à jornalista Gitta Sereny na véspera da morte. Foi o único comandante de campo de extermínio julgado pela Alemanha.

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Franz Paul Stangl (Foto: Reprodução / ‘The Jacob Rader Marcus Center of the American Jewish Archives’)

O Campo de Extermínio de Treblinka: Uma Máquina de Morte

O processo contra Stangl descreve a estrutura de Treblinka, fundado no verão de 1942 na Polônia. Situado em uma colina camuflada, o campo, com cerca de 600 metros de comprimento por 400 metros de largura, era cercado por estacadas de arame farpado de três a quatro metros de altura, com torres de guarda de oito metros munidas de refletores e ocupadas dia e noite por soldados da guarda.

A área era dividida em:

  • “Campo de morada”: onde ficavam as habitações da guarnição, oficinas e barracas para “judeus de trabalho”;

  • “Campo de apanhada”: onde os transportes de judeus chegavam;

  • “Campo superior” ou “campo dos mortos“: onde estavam as câmaras de gás, valas gigantescas de cadáveres e uma grelha de ferro para queimar os corpos.

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Estação ferroviária perto do campo de extermínio de Treblinka. a fotografia foi encontrada em um álbum pertencente a Kurt Franz, o comandante do campo (Foto: Reprodução / Memorial do Holocausto)

Entre julho de 1942 e o outono de 1943, pelo menos 700.000 judeus foram mortos em Treblinka. As vítimas eram transportadas em vagões de trem, geralmente de 50 a 60, e ao chegar, eram enganadas com a falsa promessa de que estavam em um campo de trânsito para um campo de trabalho. Idosos, doentes e pessoas fracas eram levados para um suposto “hospital” onde eram fuzilados e seus corpos incinerados em grandes valas.

Os demais eram levados à “praça de escolha“, onde homens e rapazes eram separados de mulheres e crianças. Todos eram forçados a se despir e entregar dinheiro, joias e objetos de valor. Mulheres tinham seus cabelos cortados na “barraca da cabeleireira” antes de serem empurradas pelo “tubo”, isto é, para as câmaras de gás no campo superior, onde morriam por gases de descarga de motores. Dos homens restantes, os mais fortes eram selecionados para pelotões de trabalho, enquanto os demais eram assassinados da mesma forma, após a remoção dos corpos das mulheres das câmaras de gás.

As manchetes da imprensa contra Stangl não foram razoáveis, e não era para menos. “Stangl construiu “Treblinka” para massacrar judeus”, noticiou o jornal Diário da Noite, em 3 de março de 1967. Outra manchete escrevera “Monstro nazista matava sorrindo”.

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Nos documentos do Arquivo Público de SP, constam diversos recortes de reportagens narrando a história de Stangl (Foto: Iago Y. Seo)

Stangl foi levado de Brasília em 22 de junho de 1967, e levado ao Düsseldorf, sendo condenado à prisão perpétua em 22 de outubro de 1970. Acabou falecendo no ano seguinte, aos 63 anos.

Segundo o livro “Fuga de Sobibor” de Ivaldo Lemos Junior, Stangl foi o único comandante do campo de extermínio a ser levado a julgamento na Alemanha. Seu colega de extermínio não teve o mesmo destino graças ao direito jurídico brasileiro da época, acentuado pelos tentáculos de influência do regime militar.

A Besta do Sobibor, Gustav Franz Wagner

Subordinado direto de Stangl, o austríaco Gustav Franz Wagner também atuou em Sobibor, onde era conhecido pelos prisioneiros como “A Besta”. Segundo o testemunho de sobreviventes dos campos de concentração que foram ouvidos mais tarde pelo STF, Wagner tinha predileção por métodos brutais, incluindo o assassinato de crianças pequenas com as próprias mãos.

Após o fim do conflito, Wagner veio para o Brasil em 1950, utilizando passaporte sírio mas com o próprio nome, entrando pelo Rio de Janeiro. A reportagem do VTVNews obteve com exclusividade uma cópia do documento utilizado por Wagner no Brasil.

Segundo a observação anexada ao documento, Wagner ingressou no Brasil pelo porto do Rio de Janeiro, e registrado pela Delegacia Especializada de Estrangeiros (Foto: Arquivo Pessoal)

Com o passar dos anos, estabeleceu-se em Atibaia, interior de São Paulo, vivendo como caseiro de um sítio, próximo ao principal ponto turístico da cidade, a Pedra Grande. Seu nome voltou à tona em 1978, após denúncia internacional liderada por Simon Wiesenthal, o “caçador de nazistas”. Wagner se entregou às autoridades em Atibaia e foi posteriormente levado a São Paulo no DEOPS. 

A detenção do acusado pelo Departamento Estadual de Ordem Política e Social está cheio de contradições e falta de documentações precisas do que exatamente aconteceu no dia de sua prisão. A reportagem tentou localizar quaisquer documentos que reforçassem a detenção de Wagner em 31 de maio daquele ano pelo DEOPS, mas não obteve sucesso.

Em 30 de maio, o jornal Estado de S. Paulo divulgou que no dia anterior, agentes do DEOPS negaram a prisão de Gustav. Apenas no dia seguinte, 31 de maio, também noticiado pelo mesmo jornal, a Polícia Civil da capital havia confirmado a prisão do ex-nazista, identificado no DEOPS. Naquele dia, um dos sobreviventes do holocausto, Stanislaw  “Shlomo” Szmajner viajou de Goiânia à São Paulo. Stanislaw “Shlomo” queria estar frente a frente ao seu carrasco do Sobibor.

Franz Wagner reconhecido por uma das vítimas do Holocausto

A Folha de S.Paulo registrou o reencontro entre os dois, com um diálogo tenso e ameaçador. Wagner admitiu ter seu posto de comando em Sobibor (afirmação que foi contradita por ele mesmo posteriormente), e afirmou ter “salvado” Szmajzner por sua habilidade como ourives, encerrando o encontro com ameaças veladas. “Eu mandei muito em Sobibor”, declarou.

Questionado pelo jornalista, Gustav afirmou que não matou ninguém no campo de concentração. Stanislaw contraria dizendo que o viu matar. Ele chegou oferecer um cigarro a Wagner, que respondeu com um sorriso sarcástico.

O problema do nome de Gustav

Brasília, DF — O nome de Gustav Franzkc chegou a ser confundido com de Wagner. Franzkc foi citado no inquérito policial que apurava as festividades nazistas na cidade de Blumenau, e teve seu nome revelado na lista de convidados do evento de 1940.

Esse detalhe do nome de Wagner se tornou um imbróglio na época das investigações até os dias atuais. Não foram encontrados documentos no Arquivo Público do Estado de SP, mesmo com variações de seu nome, comum na Alemanha diga-se de passagem. Essa confusão acerca da nomenclatura de Wagner foi explorada posteriormente pela sua defesa.

Algumas fontes ouvidas pela reportagem especulam que a falta de documentação da prisão de Wagner pode ser por uma escolha administrativa do departamento no dia de sua prisão. Wagner foi rapidamente levado à Brasília, preso pela Polícia Federal, uma vez que um comunicado da Interpol foi emitido no mesmo dia, não sendo necessário um registro formal da prisão pelo DEOPS. O nome de Gustav aparece no livro de procurados pela Interpol, datado naquele ano.

Caça tardia: a lenta descoberta do nazista Gustav Franz Wagner no Brasil
O nome “Gustav Franzkc” é um dos circulados nos documentos do antigo DOPS, na época sob a suspeita de ser Franz Wagner (Foto: Iago Y. Seo)

Prisão e tentativa de suicídio

Relatos e reportagens da época apontam que o mesmo tentou suicídio mais de uma vez e chegou a ser internado em hospital psiquiátrico no Distrito Federal, localizado em Taguatinga. Wagner permaneceu lá até o início dos julgamentos de méritos no STF.

Um relatório elaborado pelo até então ministro Cunha Peixoto do STF, apresentou o histórico da investigação, a prisão de Wagner e os elementos reunidos até aquele momento. Segundo o documento, o Gustav Franz Wagner foi localizado em abril de 1978, em Atibaia (SP), após ser reconhecido em uma celebração clandestina do aniversário de Hitler em Itatiaia (RJ). A informação partiu de dados fornecidos por Simon Wiesenthal, mas não foram comprovados materialmente.

O primeiro protocolo expedido no Supremo Tribunal Federal está datado em 6 de julho de 1978 . O Governo da Alemanha solicitou a extradição do cidadão Gustav Franz Wagner, residente em Atibaia, interior de São Paulo. 

Caça tardia: a lenta descoberta do nazista Gustav Franz Wagner no Brasil
O nome de Gustav Franz Wagner foi colocado na lista da Interpol em 31 de maio de 1978 (Foto: Iago Y. Seo)

Segundo os pedidos de extradição, Gustav era apontado como integrante do Partido Nazista e acusado de ser responsável pela morte de milhares de pessoas, quando atuou, entre 1940 e 1944, como segundo no comando do campo de concentração de Sobibor (Polônia) e em Hartheim (Áustria). 

Na petição, a defesa de Wagner alegou ilegalidade no pedido de extradição.  Em uma decisão de aproximadamente 139 páginas, incluindo relatório, votos e acórdão, o Supremo julgou as extradições 356 (Alemanha), 358 (Israel), 359 (Áustria) e 360 (Polônia). Os ministros indeferiram os quatro processos de extradição.


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Autor

  • Iago Yoshimi Seo

    Jornalista formado em junho de 2025, atuando desde 2023 com foco em reportagens de profundidade, gestão de projetos, fotografia e pesquisa. Autor de obra sobre temas sociais e políticos, com análise crítica da democracia e da sociedade.

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