Indicação visual de conteúdo ao vivo no site
Indicação visual de conteúdo ao vivo

Opinião: a operação no Rio não fracassou. O fracasso é estrutural

O que se viu no RJ não foi uma operação de segurança, mas uma oitiva de uma verdadeira guerra, onde só um dos lados assumiu o conflito.
O que se sabe sobre a megaoperação mais letal do Rio contra criminosos do CV?

O Rio de Janeiro registrou na última semana a operação policial mais letal da história do estadoe talvez do país – com 121 mortos, incluindo quatro agentes de segurança pública. Foi uma megaoperação contra o Comando Vermelho nos complexos da Penha e do Alemão. A ação envolveu 2.500 agentes e apreendeu 93 fuzis. Confrontos intensos por mais de 15 horas. Drones FPV — do tipo caseiro, comprados na internet — foram usados para bombardear casas e tropas da Polícia, num exemplo da escalada bélica das facções. 

O saldo numérico, embora chocante, não é o ponto mais grave. O dado mais perturbador está intrinsecamente ligado ao funcionamento estrutural do Estado e do Estado Paralelo: o fato de que uma operação de retomada territorial é necessária, mas previsivelmente inócua — mas, o mais grave, é que o país está em guerra contra um organismo paralelo, e a sociedade civil está no fogo cruzado. A facção não apenas domina o território, mas exerce soberania legal sobre ele. Segundo o Atlas da Violência, anualmente mais de 45 mil pessoas morrem violentamente no Brasil, dentre muitas nas mãos da insegurança pública, com muitas sendo largadas em covas comuns como as utilizadas pelo Comando Vermelho ou mesmo na rua vítimas de latrocínio.

O que se viu no RJ não foi uma operação de segurança, mas uma oitiva de uma verdadeira guerra, onde só um dos lados assumiu o conflito: o crime organizado, por meio de um exército irregular, armamento pesado, tática territorial e lealdade local garantida por coerção econômica e simbólica.

O crime organizado, especialmente o CV, construiu ao longo dos últimos 20 anos um modelo de governança paralela em favelas e periferias que vai além da economia da droga. Controla o fluxo de pessoas, impõe códigos de conduta, regula disputas, oferece “justiça” onde o Estado não chega — ou não permanece pela impossibilidade e soberania maior da facção. A disputa já não é apenas por renda ilícita: é por legitimidade. E, neste ponto, a derrota do Estado é anterior a qualquer operação, pois os soldados do crime já não lutam só por dinheiro mas por uma ordem: a deles. O erro, portanto, não está na letalidade da ação, mas no fato de ela ser episódica e isolada. 

Enquanto isso, parte da sociedade “Leblon” se recusa a encarar a guerra em curso. Quando um policial é morto em favela, discute-se abuso de poder pela neutralização dos criminosos. Mesmo quando uma casa é bombardeada com drone das facções, discute-se “violência estatal” por parte dos agentes estarem ali cumprindo um mandado de prisão. Por outro lado, quando o CV executa moradores, recruta jovens fogueteiros ou impede o uso de capacete pelos moradores para evitar identificação, o debate vira abstração.

O garantismo que se aplica a quem atira parece esquecer de quem é alvejado. E o Estado, paralisado entre o medo da crítica e a ausência de projeto, responde com operações pontuais, mas flácidas — isto é, terminais, espasmódicas, calculadas para dar resposta imediata, mas não para resolver de fato o problema. 

A falência não está no número de mortes, mas também na ausência de uma estratégia de retomada territorial. Um plano que vá além do armamento policial, que envolve ocupação prolongada, desmobilização da estrutura econômica das facções, articulação com programas de habitação, educação, empregabilidade, saneamento e reconstrução institucional. Isso exige tempo, investimento, e sobretudo coragem política. Mas o ciclo, na verdade, se repete: operação, choque, manchete, e, finalmente, reeleição.

Adiantando ao leitor, na verdade o CV venceu a guerra da permanência, inclusive cultural. A facção está diariamente lá, e o Estado, não. A cada incursão, volta-se à estaca zero. A polícia entra, mata, morre, apreende, sai. Não há romantismo possível no controle territorial armado, mas tampouco há solução simplista na repressão isolada. Sem um plano estratégico claro, sem continuidade, sem integração com políticas sociais, sem inteligência articulada, sem ocupação de longo prazo. 

A operação fracassou porque foi concebida como espetáculo bélico e não como política pública de longo prazoe por isso fracassará de novo, se repetida nos mesmos moldes. O fracasso é estrutural, e está cravado na incapacidade de o Estado se sustentar onde o crime já governa, colocando em risco os direitos e prerrogativas constitucionais das pessoas que ali vivem, sob às leis do crime. Essas pessoas sequer possuem o direito de subir para as próprias casas utilizando equipamentos de segurança, como um mero capacete de moto, sob o risco de “virar saudade” nas mãos do Comando — e não preciso nem lembrar aos jornalistas de plantão o que ocorreu com Tim Lopes em 2002, correto? 

E já que estou me dirigindo aos colegas jornalistas, é ilusório comparar essa operação com outras iniciativas bem-sucedidas de enfrentamento ao crime, tal como fez alguns colegas de profissão em outros veículos. O paralelo com a “Carbono Oculto” — ação da Polícia Federal contra um esquema de lavagem de dinheiro na Faria Lima — ignora o óbvio: o CV não bebe da mesma fonte logística do PCC. A dinâmica urbana, a densidade territorial e a cultura criminal das facções são distintas. Vale ressaltar que na Faria Lima os agentes da PF não foram recebidos à balas, como foram os policiais civis que subiram o morro da Penha e Complexo do Alemão.

O Comando Vermelho, por outro lado, controla símbolos, desejos e perspectivas de futuro, diferentemente do Primeiro Comando, cuja complexa logística está intricada ainda em aparatos estatais que sequer temos amplo conhecimento.

O CV aproveita da juventude dos que “sonham estar no cruzeiro do Neymar”, e os recrutam para o tráfico, pois constrói na perspectiva desses jovens um atalho ao sucesso. Esses jovens não veem no Estado, no Brasil e no governo, um caminho possível, mas uma ausência e estigmas. Vê repressão sem projeto, presença policial sem amparo social, escola frágil, mobilidade nula, justiça distante — e eis a falha do Estado em relação aos Estados Paralelos. Perdemos o controle legal e, consequentemente, territorial dessas comunidades.

Quando a alternativa ao fuzil é a informalidade precária, a cadeia ou o caixão, o CV vira, para muitos, uma estrutura macabra de acolhimento. Brutal, autoritária e violentamas presente, e, por isso, funcional naquele momento na perspectiva social. 

O Brasil demorou para perceber isso, e a cultura da violência relativa já está impetrada nas vielas das favelas, onde alguns grupos já criam seus heróis e vilões, e por isso talvez essa seja a análise mais difícil para você leitor assumir: uma operação de retomada de território contra o crime organizado é verdadeiramente necessária, mas precisa vir acompanhada de uma política pública de mitigação e garantias no longo prazo à essas famílias em situação de vulnerabilidade.

É injusto fazer com que ⅓ da população brasileira viva em territórios dominados pelo crime nas favelas; é injusto que o Brasil falhe em interceptar as armas que chegam nessas comunidades; é injusto, por outro lado, que as armas que chegam, não possam ser recuperadas pelo Estado, a fim de garantir a segurança do ⅓ dessas pessoas; é injusto ainda que agentes da Polícia sejam recebidos a tiros quando vão recuperar essas armas; e mais injusto ainda que no fim, nada disso valerá efetivamente.

Essas comunidades ainda estão sob controle do crime, cooptando a perspectiva de vida de muitos filhos de mães solos dessas comunidades; e muito sangue desses jovens será derramado para garantir a permanência dos Estados Paralelos, mas também para reeleger algum governador — e por isso assisto Tropa de Elite (1 e 2) como documentário. O Brasil é essa eterna tragédia, que beira um clichê cinematográfico.


Continua após a publicidade

Autor

  • Iago Yoshimi Seo

    Jornalista formado em junho de 2025, atuando desde 2023 com foco em reportagens de profundidade, gestão de projetos, fotografia e pesquisa. Autor de obra sobre temas sociais e políticos, com análise crítica da democracia e da sociedade.

VEJA TAMBÉM

teleton-2025-2

Recorde! Teleton 2025 supera meta e encerra com R$ 37 milhões arrecadados

marcus-teleton-2025

Desafio Teleton VTV arrecada R$ 200 mil e tem cheque entregue por Marcus Mansur no palco do SBT

marcus-teleton

VTV completa 13 anos de solidariedade no Teleton com entrega de cheque especial por Marcus Mansur

victão-teleton (1)

Apresentador Victor Faccioli leva carisma ao palco do Teleton 2025 em nome da VTV

Gostaria de receber as informações da região no seu e-mail?

Preencha seus dados para receber toda sexta-feira de manhã o resumo de notícias.