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Brasil

Maternar: o invisível e precioso trabalho de cuidar

Limpar bumbum, trocar fralda, dar mamá, fazer arrotar, limpar cocô explosivo depois do mamá, adiantar o banho porque sujou até a nuca, acalmar choro depois do banho, fralda de novo, choro de novo, mamá, ninar, soneca, esperar o bebê adormecer para transferir para o berço, correr para colocar a roupinha suja na máquina, ligar o “ruído branco” para o bebê não acordar com a máquina, usar o banheiro, ver a pia suja enquanto usa o banheiro, limpar a pia, acudir bebê que acordou e começar tudo de novo.

Nossa, cansa só de ler, né? Infelizmente não é meme. É real. Realzão mesmo. E essa é uma das coisas mais difíceis da maternidade: o trabalho que nunca termina.

A mãe passa o dia realizando pequenos e infinitos afazeres que, somados, tornam-se trabalho duro e pesado. Apesar disso, invariavelmente, toda labuta materna segue invisível e desvalorizada. Para um olhar menos sensível e atento, tudo isso nem será enxergado como trabalho. E até mesmo nós, mulheres/mães socializadas para acreditar que cuidar é uma habilidade feminina natural, temos dificuldade de entender que cuidar é trabalhar.

Essa desvalorização do trabalho de cuidar, quando deslocado do campo do suposto amor incondicional materno, fica esvaziado de sentido e de valor. Talvez por isso, ao final de um dia cheio sentimos que não conseguimos fazer nada.

Ou ao menos, nada valoroso e importante.

O fenômeno do trabalho materno infinito nos lembra o mito de Sísifo. Na mitologia grega o rei Sísifo, por depor contra Zeus, o deus do Olimpo, recebeu como punição rolar uma pedra que, ao chegar ao topo da montanha, rolava abaixo novamente. E ele deveria seguir fazendo esse trabalho inútil e sem propósito por toda a eternidade.

Assim como Sísifo, ter nosso tempo-espaço e projetos pessoais incessantemente interrompidos e frustrados, para realizar o interminável e desvalorizado trabalho do cuidado, eventualmente (ou nem tão eventualmente assim), pode parecer um castigo. Afinal, nessas condições, é difícil saber se chegar ao alto do morro é uma vitória ou o prenúncio de uma nova humilhação.

Mas isso significa que estamos fadadas a ficar presas numa rotina penosa e infinita? Bem, algo que a maternidade e o atendimento às mulheres-mães me ensinou é me lembrar que depois de uma madrugada escura, o sol nasce novamente, e aquilo que parecia apenas sombra tem também sua luz.

Penso que, além da alternância de cuidador e da ampliação das redes de apoio do bebê – ou em outras palavras, ter mais gente carregando essa pedra -, algo que pode transformar o trabalho do cuidado é se conscientizar sobre sua importância e valor. Afinal, o que torna tão penoso, além da repetição, do esforço e do cansaço, é a sensação de inutilidade e falta de sentido.

É provável que ninguém veja e valorize esse trabalho, já que em nossa cultura somos apenas mães fazendo o que “deve” ser feito. Então, não terá premiação, brinde à nossa dedicação na mesa do jantar, nem ao menos uma medalhinha de plástico.

Mas sabermos que temos em mãos pequenas sementes sagradas, e que plantá-las é essencial e poderoso, faz toda a diferença! Compreendermos que o nosso fazer é importante para o bebê, para nós e para o mundo – mesmo que ele não reconheça – imprime propósito no árduo trabalho de cuidar de um ser humano. Ao enxergarmos sentido podemos então apreciar as pequenas belezas do caminho, mesmo quando estamos subindo os morros da vida.

Os momentos do dia-a-dia de uma mãe com seu bebê podem parecer banais e invisíveis aos olhos desatentos, mas são o verdadeiro adubo da Terra. Por isso, reconhecer cada sementinha que conseguimos plantar, do jeito que foi possível fazer. Valorizar as pequenas grandes coisas que realizamos, mesmo quando sentimos que não “demos conta”, é importante. Nós somos importantes. O que fazemos importa.

CAMILA RAMOS

Camila Ramos é psicóloga especialista em Saúde Mental, Parentalidade e Perinatalidade. É autora do livro ‘Desmanual Materno – palavras de uma psicóloga para maternidades possíveis’, e criadora do projeto ‘Um colo para mãe’, no qual atende mães e crianças e produz conteúdo no Instagram @um.colo.para.mae
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