Tratar as crianças com o respeito e a dignidade que merecem, e acreditar em seus recursos e potenciais, não pode ser confundido com falta de contornos, com falta de margens.
Após gerações autoritárias, muitas famílias têm apostado numa criação mais amorosa e respeitosa com a infância – o que é um grande passo, numa cultura que normaliza a dominação dos adultos sobre as crianças.
No entanto, se por um lado ainda temos famílias educando com rigidez, e até mesmo com violência, muitos pais têm tido dificuldades de assumir o “leme do barco familiar”.
Feridos pela criação autoritária que receberam, acreditam que a autoridade prejudica o desenvolvimento das crianças. Outros, emocionalmente imaturos – por conta da sociedade atual que infantiliza os adultos, e/ou por relações familiares adoecidas -, não conseguem assumir os papéis parentais.
Precisamos encontrar um lugar entre a rigidez e o autoritarismo, entre a falta de limites e a inversão de papéis.
É necessário diferenciarmos autoridade e autoritarismo, afinal, observo como psicóloga que há uma dificuldade dos cuidadores de entender que é possível ter autoridade sem ser autoritário.
Veja, o autoritarismo submete, impõe, silencia. Numa criação autoritária, a criança não é escutada. Ela é vista como um ser menor na escala do desenvolvimento humano que, por isso, não é considerada como sujeito de desejos e de direitos.
Já a autoridade refere-se a um modo de conduzir que escuta e dialoga. Nas famílias, o exercício da autoridade considera a criança com seus recursos e limitações. O exercício da autoridade diferencia papéis e lugares na hierarquia familiar, ao mesmo tempo que parte do princípio que cada membro desse sistema tem seu valor e merece respeito. Inclusive a criança.
Perceba que uma relação familiar respeitosa e cuidadosa não exclui hierarquia. Na verdade, relações igualitárias só são possíveis quando seus membros não são apagados em suas diferenças! Os papéis parentais implicam hierarquia, responsabilidade e autoridade.
Aqui vale outro esclarecimento: dar contorno não significa violência e submissão. Pelo contrário, a falta de hierarquia e de contornos, desprotege. Uma criança não deveria assumir a responsabilidade de criar seus próprios limites, antes de ter recursos emocionais e cognitivos para tal. Inclusive, vivenciar situações que excedem seus recursos pessoais é que pode violentar ou mesmo traumatizar a criança.
Fiquemos com um questionamento necessário: “não limitar” é uma necessidade das crianças ou uma dificuldade dos adultos em assumirem seus lugares?
Crianças precisam de amor. Cuidadores verdadeiramente amorosos não se isentam de traçar os contornos necessários para protegê-las Adultos implicados se responsabilizam pela navegação, garantem mergulhos seguros e ensinam as margens da vida. Eles guiam escutando seus filhos mas, sobretudo, não esquecem que são eles mesmo o cais onde as crianças aportam, e não soltam o leme do barco.
CAMILA RAMOS