Até mesmo um leitor mais desatento ou, ainda, pouco afeito às notícias internacionais, já percebeu que o tema da imigração, ou melhor, a onda anti-imigração é o assunto do momento em pleno século XXI.
Das Américas à Europa, passando pela África e a Ásia, a questão dos movimentos anti-imigração não deixa, um dia sequer, de estampar as capas dos jornais e de estar nos noticiários televisivos, exaltando os ânimos de liberais e conservadores dos mais diversos segmentos da política internacional.
Se por um lado as críticas sobre os movimentos anti-imigração partem de partidos da direita, ou da extrema direita, o tema também não passa desapercebido pelos partidos do centro, ou centro-direita, e até mesmo a esquerda light que pleiteia, de forma mais branda, e até envergonhada, uma legislação migratória menos liberal e mais adequada aos tempos modernos.
Não importa o casaco político que o eleitor ou cidadão vista, os argumentos tanto de um lado quanto do outro, são compreensíveis e colocam em xeque princípios éticos, morais e religiosos, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, em contraposição a princípios econômicos e sociais racionais, de que nenhum país, por mais rico que seja, consegue ter uma agenda nas áreas da saúde, fiscal e social, a contento, com uma quantidade cada vez maior de imigrantes.
Como o mundo não é ideal, não vivemos num filme da Hallmark Movies, e tendo a noção de que o cobertor social fica cada vez mais curto, é fácil compreender que os debates e os argumentos contra a imigração sejam acalorados e revelem o pior do ser humano, mesmo que essa “faceta humana” esteja travestida das “melhores intenções”, para proteger a oferta de emprego nacional, o sistema de saúde e a concessão dos subsídios.
E Portugal não escapa à regra. Há cada vez mais um movimento político e social anti-imigração, que tem se intensificado nos últimos 5 anos, causando discordâncias e atritos cada vez maiores entre cidadãos portugueses e imigrantes que cá estão.
Segundo o relatório de estatísticas do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, SEF, publicado em 2023, e que corresponde aos dados populacionais de 2022, há em Portugal 781.915 imigrantes, cabendo aos imigrantes brasileiros o percentual de 30,7% desse total.
Em 2015, ano em que cheguei a Portugal, o número total de imigrantes no país era de 388.731, cabendo aos imigrantes brasileiros a quota parte de 21%. Em apenas 7 anos, o número total de imigrantes mais que duplicou e esse aumento expressivo, é inútil negar, causa estresse em todas as áreas sociais, inclusive na identidade cultural.
As razões para esse aumento substancial de imigrantes em apenas 7 anos são muitas e, algumas delas, óbvias: guerra entre Rússia e Ucrânia, conflito na Faixa de Gaza, os retornados da África, sem falarmos dos refugiados políticos e climáticos, e ainda, aqueles que fogem de seus países de origem por melhores condições de vida.
Não bastasse todos esses ingredientes que agitam esse caldeirão cultural, através do governo e dos meios de comunicação, Portugal investiu milhões de euros, projetando mundialmente, a imagem de ser o país mais seguro e com as melhores condições de vida da Europa.
Ocorre que nem tudo são flores e nem tudo que reluz é ouro. Apesar das leis permissivas pró-imigração e do marketing que supervaloriza uma vida facilitada em Portugal, um imigrante que dependa de um trabalho em Portugal para sobreviver sofrerá, e muito.
O preço de moradia é alto e o salário-mínimo nacional é de apenas 741 euros mensais. Considerando que o aluguel de uma casa com dois quartos, fora das principais cidades portuguesas, pode representarde 60% a 75% do valor do salário-mínimo, é fácil entender porque a vida de um imigrante não será fácil em terras lusas.
Resultado? Quartos apinhados de imigrantes, algumas praças com tendas improvisadas e o crescente número de moradores de rua, fato esse que assusta toda a sociedade portuguesa
Se há dificuldades financeiras para os que imigram, há outras que são curriculares, entre elas, a necessidade de que o imigrante fale inglês como requisito fundamental para a grande maioria dos empregos disponíveis, o que é um entrave principalmente para os imigrantes brasileiros.
Há inúmeras histórias de brasileiros que venderam praticamente tudo o que tinham no Brasil para emigrar para Portugal e quando cá chegaram perceberam que as promessas de uma vida facilitada não eram tão reais assim. A solução? Acabaram por voltar ao Brasil e recomeçar suas vidas do zero.
Excetuando a questão da segurança, a vida de um imigrante brasileiro em Portugal não será mais fácil, e isso precisa ser dito às claras para que erros sejam evitados. Se a intenção do imigrante é melhorar de vida e ter uma vida mais calma e segura, muitas vezes, uma mudança de cidade ou de estado dentro do Brasil pode ser muito mais prazerosa, segura e eficiente.
Pode parecer insensível colocar a questão da imigração em Portugal dessa forma, mas é revoltante, e até criminoso, a quantidade de fake news e informações distorcidas espalhadas pelo YouTube e pelas redes sociais, como Instagram e TikTok, que afirmam que a vida de um imigrante médio brasileiro será bem mais fácil em Portugal do que no Brasil.
Mas quando tudo dá errado e os sonhos acabam, há, felizmente, associações internacionais que podem estender a mão e ajudar. Um dos melhores exemplos que conheço é a Organização Internacional para as Migrações, a OIM.
Fundada em 1951, tem como objetivo cuidar e proteger aqueles imigrantes que por uma desventura ou infelicidade qualquer, querem ou precisam voltar voluntariamente ao seu país de origem, mas não tem mais condições financeiras para isso.
Apesar de não poder atender a todos as inscrições e pedidos de retorno voluntário que recebe anualmente, a OIM tem feito um excelente trabalho, e acaba sendo um porto seguro para os imigrantes, quando a falta de esperança e de dinheiro se tornaram uma triste realidade.
No intuito de promover a reintegração do retornado em seu país de origem, há casos em que a OIM oferece uma ajuda financeira para que o imigrante possa dar início a um empreendimento.
Em outubro de 2023, segundo os últimos dados disponíveis, houve 2.221 inscrições para retorno voluntário e 817 imigrantes retornados. No que toca aos imigrantes brasileiros, foram 71 inscritos brasileiros para 14 retornos voluntários.
Apesar da impressão, muitas vezes irrealista, de que o século XXI nos oferece todas as possibilidades possíveis para crescimento pessoal, profissional e cultural em qualquer parte do mundo, há medidas preventivas que devem ser tomadas antes de qualquer passo mais decisivo e importante.
Se há histórias de sucesso na imigração, que não são poucas, há muitas outras que não são. Se não há preconceito para alguns sortudos endinheirados, há e haverá sempre muita discriminação pelo caminho. Sonhar é essencial, mas manter os pés no chão é vital e necessário.