Quem conhece um pouco de história, sabe, ou deveria saber, que o Brasil foi descoberto pelos portugueses, mais precisamente, pelo navegante e explorador Pedro Alvares Cabral em 1500. Ou melhor, em 22 de abril de 1500, sendo ele o líder de 13 embarcações com mais de 1.200 homens.
Até aí tudo bem, conhecimentos básicos da história brasileira e direcionados aos alunos da quinta série, e que não deveriam fazer parte de uma coluna semanal para adultos, correndo, eu, o autor da coluna, o risco de ser atacado por subestimar a inteligência do leitor.
Ledo engano. Parafraseando Fernando Pessoa, contextualizar é preciso e explico-me o porquê mais adiante.
Mas antes da explicação central, e que é o foco dessa coluna, quero levantar uma questão básica, porém pertinente, e muito em voga atualmente, e que é promovida, como não poderia deixar de ser, por ativistas do anticolonialismo.
O busílis aqui refere-se ao termo “descoberto,” quando se fala da chegada de Pedro Alvares Cabral no Brasil, e que não deveria ser usado, pois não reflete a realidade dos fatos.
Melhor seria, falar “chegou” no Brasil em 1500, do que “descobriu” o Brasil nesta data, pois quando de sua chegada já viviam em terras tupiniquins cerca de 3 milhões de indígenas.
Uma questão de semântica, um tanto de ativismo anticolonial e um ódio evidente e direcionado àqueles que acham que a Europa tem uma visão eurocêntrica sobre o resto do mundo. No fundo dramas do mundo moderno e de uma vertente do movimento politicamente correto.
Dito isso, vamos ao tema central. Quando cheguei a Portugal ouvi algumas vezes, intrigado e, por vezes, curioso, que nós, leia-se brasileiros, não falávamos português, e sim, “brasileiro”.
Num primeiro momento achei pitoresco o comentário, e que essa questão da titularidade da língua portuguesa, não era mais do que um modo do português expressar o seu ufanismo pelo país e por sua língua pátria, mas com o passar do tempo, a questão de que o brasileiro é uma outra língua tomou corpo e forma, principalmente, quando se tem duas crianças na escola.
Foi através de meus filhos que percebi que a questão era mais séria, e que essa questão semântica já notada na escola fundamental, trazia alguns problemas subjacentes e que merecem algumas abordagens.
Sendo assim, como dizia aquele programa infantil, senta que lá vem história.
E daí voltamos ao primeiro parágrafo dessa coluna para relembrar que quando Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil, falava-se o tupi guarani, e, por óbvio, foram os portugueses que introduziram o bom e velho português do século XVI à nossa pátria mãe gentil.
Dito isso, resta claro que a língua falada pelos portugueses foi assimilada pelos indígenas brasileiros e evolui ao longo desses cinco séculos, sendo ela também sujeita às influências africanas e indígenas certamente.
Entretanto, vejo muitos brasileiros ofenderem-se quando dizem que nós falamos, tão somente, o brasileiro e não o português. Acho compreensível esse mal-estar e até acho que há uma vertente excludente, por parte do povo português, quando o tema é a titularidade do idioma.
Imaginar que somente os portugueses falam o português e que a nossa língua deveria ser reclassificada já que há tantas diferenças razoáveis entre as duas línguas, tanto sob o ponto de vista de vocabulário, quanto à maneira de falar e de entoar frases, acho um pouco radical, confesso.
Após a independência do Brasil, os termos português, língua portuguesa, língua brasileira ou língua nacional eram usados de forma corrente; na verdade numa tentativa de reforçar não somente a independência política, mas também a independência linguística de Portugal.
Em 1935, um projeto de lei tentou impor a mudança do idioma nacional para “brasileiro”, mas o projeto não passou no Congresso. Foi na Constituição de 1946 que uma comissão de linguistas decidiu que o idioma nacional no Brasil era a língua portuguesa, situação essa confirmada também na elaboração da Constituição de 1988. Ou seja, para nós brasileiros, o idioma nacional é a língua portuguesa juridicamente.
Prefiro imaginar que nós, brasileiros, falamos o português do Brasil ou, ainda, o português brasileiro, assim como os ingleses falam um inglês britânico para se diferenciarem do inglês americano.
Mas há uma legião de linguistas acadêmicos que militam e acreditam, piamente, que não há razão alguma para o português do Brasil e o português de Portugal se equiparem e serem classificados como sendo a mesma língua.
Dizem eles que seria melhor, e mais pertinente, falar que os brasileiros falam na verdade o português do Brasil, pois essa nomenclatura consideraria as noções de desenvolvimento independente e contínuo que a língua portuguesa teve no Brasil, especialmente, após o século XIX.
Portanto, se analisarmos de forma rasa, e com um viés de submissão colonial, acho até compreensível, mas burro, infelizmente, incomodar-se quando dizem que falamos brasileiro e não o português europeu.
Se olharmos a questão de forma otimista poderíamos até nos orgulhar de falarmos “brasileiro”, considerando todas as nuances políticas e linguísticas que nosso idioma sofreu nesses séculos.
Mas se essa discussão linguística tomar proporções desnecessárias, e a nossa benevolência e esforço com nossos interlocutores nos custar muito mais do que o razoável e afetar a nossa paz, sugiro seja feita uma contextualização sob os pontos de vista político, linguístico e acadêmico, antes que a emoção ocupe o lugar da razão e cause dissabores sociais incontornáveis.
Assim poder-se-á mudar as abordagens tanto da indignação de um lado quanto de outro. Senão por amor ao saber e à história, quem sabe por amor à cortesia e à educação alguns temas identitários possam ser discutidos de forma mais ampla e inteligente.
Oxalá assim seja, em bom português do Brasil.