Não há cidade no mundo, acredito, que além de ser conhecida por suas belezas naturais, museus, parques e atrações turísticas, também, não seja reconhecida, além-fronteiras, por sua culinária e gastronomia nacional.
De norte a sul, de leste a oeste, nosso lindo mapa mundi tem uma enormidade de países para se conhecer e uma infinidade, quase interminável, de pratos típicos a experimentar.
E se o tema são os pratos típicos, exemplos para saboreá-los, mundo afora, não faltam. Da picanha e feijoada brasileiras à paella e ao cassoulet espanhóis; do ratatouille e o croissant franceses aos tacos e os burritos mexicanos; isso sem falarmos da lasanha e da pizza italianas. Enfim, a palavra de ordem émangia che te fa bene.
Não importa se você está no Japão, no Tibet ou no Rio de Janeiro, cada local tem a sua receita especial que promete conquistar o mais astênico turista, e comprovar que sua culinária é, sem sombra de dúvidas, a melhor do mundo.
Ufanismos gastronômicos à parte, quem nunca se deparou com a frase: “Aqui temos o melhor bolo de chocolate do mundo”? Táticas de marketing pueris, que funcionam, viralizam e, certamente, acrescentam alguns quilos extras na balança.
Que a culinária e a gastronomia nacionais são uma forma de identidade cultural de um país, ninguém duvida; mas a culinária pode ser, e é, na grande maioria das vezes, um importante aliado do setor turístico.
Há quem faça inúmeros quilômetros só para comer uma refeição num restaurante estrelado ou, ainda, programe suas férias unicamente em razão da culinária de um determinado local. Quem nunca ouviu falar dos famosos pasteis de Belém, em Lisboa, ou o popular “fish and chips” inglês, que atire a primeira pedra.
Se todo esse movimento em torno da culinária pode parecer estranho, ou até um tanto excêntrico, para alguns de nós que sofre com a balança, vale a pena lembrar que há empresas especializadas em promover essencialmente o turismo gastronômico. E os turistas gourmets, tendência descolada dos últimos anos, agradecem por óbvio.
E o Porto não poderia fugir à essa regra. Se o bacalhau, e suas inúmeras maneiras de prepará-lo, está diretamente associado à identidade cultural de Portugal, é a famosa “Francesinha”, a responsável pela identidade do povo do Norte, os incontornáveis portuenses.
Não há português, dentro ou fora de Portugal, que não saiba que o prato típico do Norte é a “Francesinha”, um sanduíche preparado no prato com dois pães de forma grossos, recheado com bife bovino, linguiça, salsicha fresca, fiambre (uma espécie de presunto) e um bocado de queijo.
Como se todos esses ingredientes já não fossem suficientes,o sanduíche, que mais parece uma feijoada no pão, diante de tantos ingredientes em sua composição, ele, ainda, é coberto por uma camada de queijo, levado ao forno até derretê-lo e depois agraciado com um molho à base de tomate, cerveja preta e vinho do porto.
Mas se o leitor acredita que a receita está terminada, engana-se redondamente. É tradição por aqui colocar um ovo estrelado por cima de tudo isso e servi-la com batatas fritas. Haja fome e estômago, não?
Muitas são as histórias sobre a criação desse tradicional prato típico. A principal delas é que a “Francesinha” teria surgido pelas mãos do emigrado português Daniel David da Silva, sócio do restaurante a Regaleira, no Porto, lá pelos idos dos anos 50.
Após ter trabalhado em vários restaurantes na Bélgica e na França, Silva que sempre gostou de cozinhar revisitou as receitas de dois famosos sanduíches franceses (o croque -madame e o croque monsieur) e decidiu adaptá-las ao gosto português tanto nos ingredientes do recheio, como também, no famoso molho apimentado que cobre a iguaria.
Foi, inclusive, por conta dessa revisitação culinária, que era a predileta do dono da Regaleira, que Silva recebeu a proposta para tornar-se sócio dele e apresentar sua “invenção” aos clientes. Dito e feito, Silva regressa a Portugal e a “Francesinha” torna-se o prato predileto dos moradores da cidade portuense.
Mas as histórias não param por aí. Há quem diga que Silva criou a “Francesinha” especialmente para as mulheres com a intenção de que as mulheres portuguesas fossem tão “picantes” como as francesas, pois acreditava-se, na época, que alguns condimentos da iguaria provocavam alterações comportamentais tornando as mulheres mais desinibidas.
Mas o tiro saiu pela culatra e as mulheres portuguesas ao saberem dessa história começaram a evitar o prato por medo de ficarem mal faladas. Foi só na década de 70 que as mulheres começaram a aderir ao prato criado cerca de 20 anos antes. Prenúncios de uma revolução inevitável.
Quem também caiu de amores pela iguaria portuense foi o chef e jornalista americano Anthony Bourdain (1956-2018). Em sua visita ao Porto em 2017, Bourdain ficou impressionado com o preparo do sanduíche e com sua ironia peculiar exclamou: “Meu Deus o que é essa coisa?”, mas sem antes perguntar ao proprietário do restaurante “O Afonso”, onde saboreou a icônica receita, qual era a taxa de danos cardíacos em Portugal.
Diante de um prato tão popular e tão conhecido, não é difícil imaginar que a maioria dos restaurantes da cidade do Porto, também tenha sucumbido ao slogan fácil e pueril, e qualquer restaurante que faça o sanduíche icónico do Norte se auto intitula, sem a menor modéstia, fazer “a melhor Francesinha do Porto”.
Se o leitor ficou com água na boca e quer tirar a teima de quem faz a melhor receita na cidade, há mais de um milhar de restaurantes dispostos a comprovar que o slogan que usam, a torto e a direito, é real. Voilá.