Talvez essa seja uma coluna de cunho muito pessoal, mas voilá não há mais passo atrás a dar. Desde o dia em que comecei a escrever sobre minha experiência em viver fora do Brasil, toda a coluna que escrevo tem sempre um toque pessoal, íntimo e talvez até resvale na minha biografia.
Dito isso, ressalto ao leitor que um dos mais difíceis, talvez o mais temido, sentimento de quem vive fora de sua terra natal, sem regressar à casa-mãe por muito tempo, seja não acompanhar o envelhecimento de seus familiares, e temer que algo de ruim lhes aconteça. Não há whatsapp ou face time que resolva esse angustiante sentimento, apesar da tecnologia ajudar muito.
Se por um lado acompanhar pessoalmente a decrepitude daqueles que amamos nos ilude com a sensação de que as pessoas não envelhecem tanto assim, não a acompanhar, e de repente, ter que encará-la por motivos que a vida nos impõe inevitavelmente, pode ser um duro golpe àqueles que, como eu, tem dificuldade em aceitar que o tempo é implacável e que todos nós estamos nessa insana e, por vezes, assustadora jornada, absolutamente sem nenhum controle.
Uma das coisas que percebi ao longo desses anos que moro fora do Brasil é que não importa o quanto o país que o acolheu, ou as amizades que você construiu façam com que se sinta “em casa”, ou o quão esses novos amigos sejam generosos com você e sua família, o imigrante, talvez nem todos, carrega a estranha sensação de não pertencimento, de não fazer parte do todo, por mais ambientado ou adaptado que esteja. Tudo muito estranho, mas real.
Mas mais estranho ainda é perceber que ao regressar à pátria amada, mesmo que por um curto período, esse mesmo sentimento ressurge num lugar onde se viveu uma vida toda. A sensação de pertencimento que sempre fez parte do seu DNA desaparece por completo, fazendo com que se sinta um extraterrestre. Um verdadeiro estranho no ninho.
Todas as certezas e convicções que supostamente um dia acreditava ter, todas as experiências e caminhos percorridos, desaparecem num simples estalar de dedos. Todos os lugares que já se esteve um dia e lhe pareciam tão familiares, acabam por lhe parecer estranhos. E a sensação de vazio se impõe de forma incontornável.
Não se pertence a mais lugar nenhum, não há mais chão seguro para andar e todos aqueles amigos e familiares que um dia fizeram parte da sua essência tornam-se, quando muito, apenas referências carinhosas, ou não, de uma vida ou época passadas.
Vida que segue, talvez menos colorida e divertida, mas que cumpre o seu destino e a sua saga. Apesar desses pesares, são os imigrantes um exemplo de coragem e de desprendimento para um mundo novo que se abre a quem ousou romper as barreiras geográficas que o destino lhes deu como garantidas e imutáveis.
Para dar o próximo passo é necessário despir-se, descartar, tirar o excesso, desistir, abandonar tudo o que nos atormenta e corrói a esperança, e seguir o caminho seja lá onde for. Um trabalho duro que exige coragem, perseverança, e porque não dizer, um tanto de fé
No dia que embarquei com minha família para essa aventura que já dura quase dez anos em Terras Lusas, percebi que carregava só o essencial, e que todo o meu passado e o de minha família cabiam em apenas 8 malas.
Por alguns instantes enquanto aguardava o nosso voo pensei nos meus antepassados que atravessaram o Atlântico em condições precárias e em navios lotados em busca de um futuro melhor.
Fiz o caminho inverso em condições totalmente diferentes, e confortáveis, e logo me dei conta de quem eram os verdadeiros heróis dessa saga familiar. O ato corajoso de meus bisavôs mudou o destino de toda uma família, hoje com mais de cem pessoas.
Talvez o imigrante seja mesmo “antes de tudo, um forte”, como diria Euclides da Cunha sobre o sertanejo em sua obra “Os Sertões”.
De que massa somos feitos, que inquietude é essa que nos atormenta e nos faz querer avançar sobre mares nunca navegados?
Há algo de especial e extraordinário na mente e na alma de quem desafia o destino que lhe coube. Sim, o imigrante é, antes de tudo, um forte, tenho certeza.
Perguntas sem resposta e de difícil compreensão, mas com ou sem a sensação de pertencimento ouso dizer “Navegar é preciso”.