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Projeto muda realidade de aluno com 10% de visão: ‘Eu odiava ir para a escola’

Emerson, do Guarujá, viveu anos desafiadores antes de se sentir confortável no ambiente escolar
Foto/divulgação: Prefeitura de Guarujá

“Eu odiava ir para a escola”. Pode parecer uma declaração forte, mas é como o Emerson Adriano de Oliveira, de 15 anos, se sentia enquanto um estudante com 10% de visão. Morador do Distrito de Vicente de Carvalho, em Guarujá (SP), viveu anos de desafios, mas hoje tem uma história marcada pela superação, amizade e acessibilidade.

Emerson concluiu o nono ano do ensino fundamental recentemente, na Escola Municipal 1º de Maio, localizada no bairro Jardim Boa Esperança, onde, desde o início, relembra ter enfrentado dificuldades relacionadas à inclusão social, como revelou em entrevista ao VTV News.

Isso antes do Visão Inclusiva, claro. O projeto inédito, idealizado em março deste ano pelas professoras de Educação Especial da unidade, Neuma Lira e Pâmela Martins, surgiu após uma conversa decisiva entre elas e o aluno, ao relatar seu desânimo em relação ao ambiente escolar.

Antes de tudo, Emerson não se sentia parte do grupo. Ele tinha materiais adaptados para deficientes visuais dispostos na escola, mas o que realmente faltava era o apoio emocional dos colegas e professores. “Eu não tinha amigos nem a ajuda que precisava para ser incluído de verdade”, afirma.

Logo, as professoras notaram a lacuna e decidiram transformar a escola, tornando-a mais acolhedora e interativa para estudantes atípicos. Ela conversou com os colegas de sala de Emerson, que toparam a proposta.

A programação integrou a Virada Inclusiva 2024, em comemoração ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência — Foto/divulgação: Prefeitura de Guarujá

(10%) de ‘visão inclusiva’

Foi a partir de um momento difícil – quando Emerson chegou a dizer, em tom de ironia, que ‘queria que a escola explodisse’ – que nasceu a ideia do projeto.
Ele, com 10% de visão, sentia-se isolado.

Segundo ele, o pior momento, no entanto, foi durante o sétimo ano, em 2022, quando lembra de ter sido ignorado por colegas e restrito a se manter na cadeira enquanto todos se movimentavam livremente durante as aulas de Educação Física.

Assim, o objetivo era dar aos outros alunos a chance de entender, na prática, as dificuldades que Emerson enfrentava no dia a dia. “Eu não tinha ninguém com quem conversar”, lembra.

Nos jogos táteis e atividades imersivas, os alunos experimentaram a realidade de um deficiente visual, usando vendas nos olhos e bengalas, e, por isso, puderam sentir o que Emerson vivia diariamente.

“Hoje, as pessoas entendem melhor o que é ser deficiente visual”, afirma. O trabalho foi importante para desmistificar a deficiência e ensinar empatia. “O projeto me ajudou a me abrir, a compartilhar meus gostos e pensamentos com os outros. Hoje, tenho amigos e sou ouvido”.

Acessibilidade é necessidade

Outro fator colaborou com a sensação de inclusão. De acordo com a professora Pâmela, Emerson precisou ser transferido para uma turma ‘mais acolhedora’, já que enfrentava dificuldades de inclusão devido à falta de compreensão por parte dos colegas. “Ele estava em um ambiente onde suas necessidades não eram plenamente compreendidas”, contou.

Quando foi para uma turma mais receptiva, foi aí que começou a se destacar. Mostrando todo o seu potencial e conquistando a amizade dos colegas, ele passou a ser não apenas o protagonista da própria história, mas também o idealizador do projeto – uma participação ativa que foi essencial para o sucesso do Visão Inclusiva.

As classes receberam oito estações interativas — Foto/reprodução: arquivo pessoal

Durante as simulações e desafios pedagógicos, ajudava os colegas não atípicos a entenderem como deficientes visuais usam a tecnologia e outros recursos disponíveis, como os aplicativos de smartphones e tablets.

Eles aprenderam sobre o braille, participaram de jogos adaptados e se sensibilizaram com a causa.

“Mesmo quando eu não estava presente, Emerson tinha o apoio total dos colegas”, complementa a professora. Ela ainda relata um momento marcante: a visita ao Lar das Moças Cegas, instituição sem fins lucrativos que atende pessoas com deficiência visual, em Santos (SP), onde Emerson teve a oportunidade de mostrar um pouco mais de seu mundo para seus colegas.

O Visão Inclusiva, enfim, terminou com uma grande apresentação, onde os alunos montaram estações interativas sobre a vida de um deficiente visual. “Ver Emerson tão feliz, apresentando o projeto com tanta empolgação, foi indescritível”, afirma Pâmela. Ela, que tem 13 anos de experiência em educação especial, descreve o momento como um dos mais gratificantes de sua carreira.

Alunos e professores vivenciaram e compreenderam um pouco dos desafios que os deficientes visuais enfrentam diariamente — Foto/reprodução: arquivo pessoal

Igualdade de oportunidades

Hoje, Emerson pode olhar para trás e perceber o quanto cresceu. Ele sabe que ainda tem desafios, mas agora enfrenta a vida com a certeza de que é capaz. “Eu espero que todos entendam que as pessoas com deficiência visual podem alcançar tudo o que quiserem, assim como qualquer outra pessoa”, ele afirma.

O projeto se mostrou um exemplo de como a educação pode ser uma ferramenta poderosa para transformar realidades. Através dele, Emerson e seus colegas aprenderam a ser mais empáticos, a compreender as dificuldades do outro e, principalmente, a viver a inclusão na prática.

Hoje em dia, 24 alunos da unidade escolar são capazes de transcrever o braille e seis deles tiraram nota máxima em uma avaliação, sem que precisassem de apoio. Emocionada e grata, a mãe de Emerson, Lilian Costa, relata como o projeto transformou a vida de seu filho.

“É muito difícil escutar do filho ‘eu não quero ir para a escola’. Ele poder explicar e ensinar sua deficiência é muito bom e aumenta a acessibilidade. Que tenham mais projetos como esse nas escolas”, afirma.

Inteligente, esforçado e uma benção. É assim que a mãe descreve Emerson, que agora gosta de ir para a escola — Foto/reprodução: arquivo pessoal

Mas a luta não acaba aqui. Para Emerson, o sonho agora é que outros jovens com deficiência visual possam ter a mesma oportunidade que ele teve.

Com a experiência, ele se sente preparado para os próximos passos, que incluem o ingresso no ensino médio. Está confiante e ansioso para o futuro, sabendo que, com apoio e dedicação, tudo é possível. Aliás, toda essa história também nos ensina uma lição valiosa: acessibilidade, como todos merecem, gera igualdade de oportunidades.

O que significa ter 10% de visão?

De acordo com o Ministério da Saúde (MS), ter 10% de visão é chamado de baixa visão. Isso significa enxergar ‘pouco’, mesmo usando óculos ou lentes, com a visão variando entre 30% e 5% no melhor olho. Essa condição dificulta tarefas que exigem detalhes, como ler ou reconhecer rostos.

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece ajuda para essas pessoas, como lupas e aparelhos que ampliam a visão. Esses recursos estão disponíveis em centros de reabilitação, ajudando a melhorar a qualidade de vida.

Além disso, o ministério explica que é importante ter reabilitação e apoio psicológico. Esses cuidados ajudam as pessoas com baixa visão a serem mais independentes e participarem melhor da sociedade.

Por fim, o governo destaca que incluir essas pessoas em programas de saúde é essencial. Ambientes acessíveis e suporte especializado garantem direitos iguais e ajudam a viver com mais autonomia.

Saiba mais sobre o projeto Visão Inclusiva

Na Escola 1° de maio, a proposta simulou dificuldades enfrentadas por pessoas com 10% de visão em tarefas do dia a dia, como locomoção e atividades domésticas.

Na primeira estação, os participantes realizaram tarefas como amarrar tênis, trocar roupas e identificar objetos, sem enxergar. Já na segunda, jogos e testes de olfato estimularam os sentidos.

O secretário de Educação, Marcelo Feliciano Nicolau, e a coordenadora de Educação Especial, Valéria Korik Franco, marcaram presença no último dia de atividades. Ambos elogiaram o impacto do projeto e ressaltaram seu valor na conscientização e inclusão social, segundo a Prefeitura de Guarujá.

O secretário também destacou as conquistas do município, como 34 salas de recursos, novos protocolos de atendimento e mais especialistas. “Sem dúvidas, essa é uma potente estratégia que pode ser ampliada, assim como as políticas públicas que investimos nos últimos oito anos para atender estudantes com deficiência”.

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