“Burra, incapaz, doida, idiota, cabecinha”. Essas palavras, carregadas de crueldade, marcaram os 40 anos de casamento de uma idosa de 67 anos. Residente do Embaré, em Santos, na Baixada Santista, ela viveu em silêncio sob um ciclo de violência moral, psicológica, sexual e patrimonial, imposto por um ‘marido autoritário’. Mesmo com a concessão de uma medida protetiva em março de 2024, que afastou o marido de casa, a violência não cessou. Na última quinta-feira (6), uma das filhas a agrediu ao tentar retirar objetos do pai da residência.
Em entrevista à VTV, emissora afiliada do SBT, a idosa contou que suportou décadas de sofrimento por amor às filhas. Seu maior temor era que, ao deixar o casamento, as três, hoje adultas e formadas, enfrentassem dificuldades financeiras, já que o marido, funcionário de uma petroleira, era considerado o pilar econômico da família.
O caso foi registrado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) como violência doméstica, lesão corporal e exercício arbitrário das próprias razões, e está sendo investigado por meio de inquérito policial instaurado pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM).
Detalhes adicionais serão preservados.
Idosa foi abusada sexualmente pelo próprio marido
A situação já havia chegado ao limite em novembro de 2024, quando o marido a obrigou a manter relações sexuais de forma violenta, ignorando pedidos para parar. Durante o ato, a esposa implorou repetidamente para que ele cessasse, o que não aconteceu, e o episódio foi confirmado por exames médicos realizados no Hospital Casa de Saúde de Santos.
“Eu falei ‘Agora chega, eu não aguento mais, está doendo’ e pedia para ele parar, mas ele não parava e eu não conseguia sair dali. Parecia que quanto mais eu pedia para ele parar, mais ele ficava excitado”, relata.
No dia em que a violência ocorreu, ela afirmou que o marido ressaltou dizendo que cometeria o ato novamente.
“Da próxima vez vai ser pior”, relatou a vítima.
Ainda no atendimento médico, acompanhada por uma filha, a vítima ouviu de um médico que o sexo forçado era “coisa de marido e mulher”. Temendo represálias, especialmente de suas próprias filhas, ela demorou a registrar a ocorrência, pois sabia que ele possuía quatro armas de fogo e temia ameaças.
O receio não se limitava às ameaças físicas, mas também envolvia a segurança financeira da família. A denúncia foi registrada na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos, resultando na aplicação da Lei Maria da Penha, com a concessão de uma medida protetiva para a vítima.
Sexo forçado é ‘coisa de marido e mulher’?
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Datafolha revelam um aumento alarmante da violência contra mulheres no Brasil. A pesquisa, divulgada na última segunda-feira (10), aponta que 37,5% das mulheres, ou cerca de 21,4 milhões de brasileiras, sofreram algum tipo de violência no último ano.
A advogada Andrea Amaral, responsável pelo caso, alertou sobre a falta de conscientização.
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“As mulheres muitas vezes acham que, por serem casadas, devem manter relações sexuais sempre que o marido deseja. Elas não percebem que estão sendo abusadas”, observou.
A delegada titular da DDM, Débora Lázaro, também enfatizou a dificuldade de romper esse ciclo.
“É realmente muito difícil para a mulher. Nós lidamos com isso diariamente e sabemos da complexidade da situação, mas não há lei que consiga ajudar a mulher se ela não romper esse vínculo por si mesma”, explicou.
Neste contexto, a vítima, diagnosticada com depressão severa e dependente de medicamentos controlados, ainda luta por um recomeço.
“Eu aturei, aguentei, fiquei quieta. Até hoje, eu pergunto para Deus o que foi que eu fiz”, revelou, refletindo o sofrimento profundo e a busca por uma vida livre do abuso.
O crime
É importante lembrar que, no Brasil, o crime de estupro pode ser cometido pelo marido contra a esposa, caracterizando-se quando há violência ou grave ameaça para forçar a mulher a ter relações sexuais contra sua vontade.
A Lei 12.015/2009 estabelece que o estupro é um crime comum, passível de punição, independentemente da relação conjugal. Ou seja, a violência sexual no casamento é tratada com a mesma seriedade que qualquer outro caso de estupro.
O Código Penal brasileiro prevê uma pena de reclusão de 6 a 10 anos para quem constranger alguém a praticar ato libidinoso. Além disso, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) aplica medidas protetivas em casos de violência sexual no contexto doméstico, incluindo o estupro marital.
A pena pode ser mais severa se houver lesão corporal grave ou morte da vítima, levando em consideração a gravidade da violência.
*Com informações de Gabi Lima, Gaby Saboya e Letícia Sanvez