O número de jovens entre 15 e 24 anos que não estudam, não trabalham e não estão em treinamento — os chamados NEETs (do inglês Not in Employment, Education or Training) ou geração “nem-nem” — já representa um quinto da população mundial nessa faixa etária, segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (2023).
No Brasil, o cenário é ainda mais alarmante: o país ocupa a segunda posição entre 37 nações analisadas pela OCDE com maior proporção de jovens entre 18 e 24 anos que não estudam e não trabalham. Segundo o relatório Education at a Glance, 36% dos brasileiros nessa faixa etária estão fora do sistema educacional e sem vínculo com o mercado de trabalho — atrás apenas da África do Sul.
Segundo diagnóstico da Subsecretaria de Estatísticas e Estudos do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego de 2023, 17% da população brasileira, isto é 36,1 milhões tem entre 14 e 24 anos. Desse total, 5,2 milhões estão desempregados — o equivalente a 55% do total de 9,4 milhões de desocupados no país. O grupo dos chamados “nem-nem” soma 7,1 milhões de jovens, em sua maioria mulheres (60%) e pessoas pretas e pardas (68%). Segundo o levantamento, muitas vezes esse público também está sobrecarregado com tarefas domésticas e cuidados não remunerados.

Em meio ao crescimento do desemprego juvenil, a tendência acende os primeiros alertas para especialistas em economia, principalmente para países desenvolvidos e em desenvolvimento, reforçado por um distanciamento progressivo da geração Z em relação aos “marcos tradicionais” da vida adulta.
Juventude emparedada pela desigualdade
Para Luiz Menezes, fundador da Trope e especialista na área, é um equívoco atribuir à Geração Z um suposto desinteresse ou desorientação. “É muito menos sobre a Geração Z e muito mais sobre uma crítica que sempre aconteceu à juventude”, aponta. Ele observa que essa postura crítica já foi direcionada anteriormente à Geração X e aos Millennials — um ciclo que tende a se repetir com as próximas gerações, como a Alpha e a Beta.
Luiz chama atenção para o contexto histórico e econômico no qual a Geração Z se desenvolveu: conflitos, recessão global, pandemia, crise ambiental e aumento do custo de vida. “São pessoas que crescem nesse contexto de não conseguir ter uma perspectiva de vida de longo prazo. O que importa é o agora, eu me salvo este ano e não como eu vou ter futuro daqui 5 a 10 anos, como as gerações anteriores.”
Esse pano de fundo ajuda a explicar por que tantos jovens hoje rejeitam os marcos tradicionais da vida adulta — como casa própria, emprego fixo e casamento. “[A Geração Z] não é inconstante, mas sim mutável. Transitam muito em termos de pensamento ao mesmo tempo que é uma geração que busca estabilidade sim”, afirma Luiz.
Apesar do discurso de que esses jovens “vivem de renda” ou não se interessam por trabalho, ele rebate: “Mas que renda? Existe essa falsa verdade que vimos no contexto da pandemia. Essas pessoas começam a se formar e a taxa de desemprego para a juventude ainda é muito alta.” Para ele, o problema não está na juventude, mas na defasagem do modelo tradicional de trabalho: “Hoje aquele um salário já não consegue manter a sua estrutura familiar.”
A “correria” perdeu apelo
Segundo Luiz, o desinteresse pela “correria” não é uma rejeição cultural voluntária, mas uma resposta forçada a uma realidade desigual. “Por que vou me matar de trabalhar, se essa recompensa nunca vai vir já que eu estou vendo os Millennials frustrados?”, questiona. Para ele, a promessa de carreira e estabilidade, feita à geração anterior, não se concretizou. “A herança não é herança monetária, não é o desenvolvimento de patrimônio”, completa.
O conceito de “vencer na vida”, tradicionalmente ligado à ascensão corporativa, imóvel próprio e estabilidade financeira, também se transforma. “Essa lógica do crescer e comprar um terreno era muito mais fácil comparado com o momento atual que vivemos”, destaca. Na sua visão, o que parece ser um comportamento individual de resistência é, na verdade, uma resposta coletiva a um ambiente hostil.
Mesmo entre os jovens que decidem trabalhar, a busca por empregos está se deslocando para áreas menos hierárquicas e com menor pressão, como funções técnicas ou ligadas à educação. A Geração Z prefere estabilidade e previsibilidade ao glamour das grandes corporações. Segundo o especialista, o antigo ethos de “trabalhar duro para vencer” está sendo substituído por um modelo de sobrevivência em um mundo onde as condições materiais não acompanham o esforço.
Além dos desafios econômicos, os índices de saúde mental entre jovens são alarmantes. Transtornos como ansiedade e depressão dobraram em relação à geração anterior. Menezes aponta que, mesmo entre os que trabalham, o número de licenças por saúde mental é significativamente maior — evidência de uma geração emocionalmente sobrecarregada e que, aos poucos, parece perder a confiança no futuro.
Ainda assim, ele faz um apelo para que o debate intergeracional não se transforme em confronto, mas em aprendizado. “Será mesmo que o bastão está sendo passado? […] Parece que todos estão mais preocupados com essa briga intergeracional do que adotar um olhar um pouco mais amplo”, provoca. Para ele, enfrentar esse cenário exige cooperação, não julgamento. “Sabemos que é fundamental transferir o conhecimento para garantir um futuro melhor, inclusive para as gerações posteriores.”