Nesta semana a Polícia Federal realizou buscas e apreensões em mais de uma dezena de Estados. O presidente do INSS foi derrubado para investigar sobre possível participação em um esquema bilionário que saqueava aposentados. Em outro caso, a Receita Federal identificou fraudes tributárias de quase meio bilhão de reais espalhadas por 21 Estados.
E, como cereja desse bolo indigesto, o ministro Alexandre de Moraes manda prender — em regime fechado — ninguém menos que Fernando Collor de Mello, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, por crimes descobertos ainda nos tempos áureos da Operação Lava-Jato. Dormimos em 2025 e acordamos em 2014.
A diferença nessa viagem no tempo é que agora não temos mais aquele frenesi das delações premiadas em horário nobre, nem o PowerPoint de procurador e tampouco a ilusão de que a moralização das instituições viria de Curitiba. O que temos é um Brasil exausto, anestesiado, e que já se acostumou a ler sobre bilhões desviados como quem lê a previsão do tempo. A pergunta já não é mais “quem ou quanto foi desviado?“, mas “quem ainda não foi pego?“
É simbólico, para não dizer cármico, que a prisão de Collor ocorra quase 30 anos depois do seu impeachment, desta vez não por um Fiat Elba, mas por cifras de sete dígitos ligadas à BR Distribuidora. Os tempos mudam, mas os protagonistas da tragédia nacional parecem ter nove vidas — e todas elas financiadas com dinheiro público. Collor, é claro, “vai se apresentar” — como se fosse um gesto nobre de quem foi pego com a boca na botija depois de esgotados todos os recursos.
Enquanto isso, aposentados e pensionistas do INSS, vítimas de um golpe repulsivo e estruturado, viam seus parcos benefícios serem corroídos por entidades que sequer pareciam ter estrutura para existir. Estima-se que R$6,3 bilhões foram desviados desde 2019. Dinheiro arrancado mensalmente dos contracheques de idosos por supostas associações fantasmas que só prosperaram porque tinham o selo de confiança do Estado — mais especificamente, e segundo a denúncia, de acordos assinados pelo próprio INSS. Instituição essa que, em vez de proteger os mais vulneráveis, se revelou como um possível balcão de negócios para pilantras de terno e crachá.
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Não bastasse isso, descobrimos que a “criatividade tributária” segue firme e forte. A Operação Obsidiana mostrou um esquema de compensações fiscais com créditos inexistentes. Traduzindo: empresas são investigadas por usarem consultorias “pouco republicanas” para supostamente burlarem o fisco e embolsar milhões com papeladas forjadas. E pensar que, para o pequeno empreendedor, um erro no DAS-MEI já basta para cair na malha fina.
Diante disso tudo, fica o incômodo: em que ponto do caminho aceitamos que escândalos de bilhões fossem tratados com a frieza de quem lê balanço contábil? Foi o fracasso que se mostrou a Operação Lava-Jato a longo prazo ou o brasileira está exausto de fato? O que antes gerava panelaço, CPI e passeata hoje se resume a uma nota de rodapé no noticiário. A impunidade e banalização do absurdo, ao que parece, não é mais só um risco institucional: é um traço cultural, da alma brasileira de que tirar migalhas de vantagem em qualquer situação é justificável, moral do ponto de vista particular e até comum. A sensação da impunidade nunca acabou, e essa inércia social só reforça a ideia de que viver as margens da lei tem seus incentivos, inclusive econômicos.
No fim, o Brasil não está revivendo 2014. Ilusão acreditar que saímos daquele ano. O país apenas trocou o figurino, mudou os nomes nas capas de processo e esvaziou o idealismo utópico. A Lava-Jato foi enterrada, e a cultura imoral de alguns representantes da sociedade continuou sendo permeada — e segue se espalhando, discretamente, por dentro das redes intersociais do Estado. A grande pergunta que ainda fica é: por que ainda damos voto de confiança para eles?