A reforma tributária, tema central nas discussões do Congresso, promete transformar a infraestrutura do Brasil de maneira significativa. O que parece ser uma questão técnica, no entanto, pode afetar diretamente o seu bolso e a maneira como o país se move, desde o preço de produtos até o tempo que você passa no trânsito. Em audiência pública no Senado, lideranças do setor de transportes e infraestrutura se reuniram para discutir como essas mudanças podem impactar o cotidiano de todos os brasileiros.
Com o apoio da Frente Parlamentar Mista de Portos e Aeroportos (FPPA), o Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBI) defendeu políticas para tornar o setor de transportes mais competitivo, eficiente e alinhado com as metas de crescimento econômico do país. Representantes de diversas áreas da infraestrutura trouxeram ao debate os desafios e as oportunidades que surgem com a reforma.
Infraestrutura portuária e modernização: um passo para o futuro
Segundo o IBI, a reforma tributária pode ser uma grande aliada para a modernização dos terminais portuários e aeroportuários, impulsionando a produtividade e contribuindo para a descarbonização do setor. O Instituto apontou que a inclusão de novos equipamentos nos terminais e a extensão do Reporto, que concede incentivos fiscais ao setor, têm potencial para gerar um incremento de 15% na capacidade de movimentação de mercadorias. “Cada novo equipamento adquirido pode aumentar a produtividade em até 15%, além de contribuir para a redução de emissões de carbono em 97%, tornando o setor mais sustentável e eficiente”, destacou o IBI.
Essas melhorias, que também envolvem a modernização da frota, podem trazer benefícios significativos para a economia. O IBI estimou que a inclusão de novas tecnologias pode gerar até R$ 3,6 milhões por ano em receita adicional para os terminais, com impactos diretos na arrecadação tributária e na geração de empregos. O Instituto também frisou que a reforma deve garantir segurança jurídica e previsibilidade para estimular ainda mais investimentos no setor.
O setor ferroviário em destaque
Davi Ferreira Gomes Barreto, diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), também abordou os impactos da reforma tributária, com um foco no setor ferroviário. Para ele, o sucesso da reforma depende de uma articulação cuidadosa entre incentivos fiscais e a preservação dos contratos de longo prazo que sustentam os investimentos na malha ferroviária.
“A reforma precisa trazer clareza e segurança jurídica. Sem isso, os investimentos privados, que são fundamentais para expandir o setor, podem ser comprometidos”, afirmou Barreto. Ele ressaltou que o setor ferroviário é essencial para a economia, movimentando mais de 500 milhões de toneladas por ano. Com a reforma, o setor pode continuar a crescer, trazendo mais eficiência ao transporte de mercadorias e reduzindo a dependência do transporte rodoviário.
Impactos na cabotagem: uma alternativa ao transporte rodoviário
Outro ponto levantado durante a audiência foi a importância da navegação de cabotagem. Segundo o IBI, essa modalidade de transporte, que utiliza vias marítimas ao longo da costa brasileira, pode reduzir o desgaste das estradas e os custos de manutenção. O uso mais intenso da cabotagem, incentivado pela desoneração do bunker – combustível utilizado pelas embarcações –, ajudaria a equilibrar a matriz de transportes no Brasil, que hoje é excessivamente dependente do transporte rodoviário.
A desoneração do bunker, de acordo com o IBI, traria um impacto fiscal mínimo, mas aumentaria significativamente a competitividade das empresas brasileiras. A navegação de cabotagem, além de ser mais segura, também reduz o número de acidentes nas estradas e diminui o Custo Brasil – termo que se refere às despesas extras que prejudicam a competitividade do país. “Com uma matriz de transporte mais equilibrada, o Brasil pode se tornar mais eficiente e competitivo no cenário global”, comentou um dos expositores da audiência.
Transporte de cargas e os desafios do setor
Durante a audiência, Alessandra Brandão, consultora tributária da Confederação Nacional do Transporte (CNT), fez duras críticas a alguns pontos da reforma que podem afetar o transporte de cargas. Um dos principais problemas apontados por Brandão foi a possibilidade de aumento na tributação para as transportadoras brasileiras que atuam no mercado internacional, o que criaria uma desvantagem em relação a concorrentes de outros países, especialmente do Mercosul.
“Se essa questão não for corrigida, as empresas brasileiras vão enfrentar uma concorrência desleal com transportadoras internacionais, que operam com uma carga tributária muito menor”, alertou Brandão. Ela também chamou a atenção para o risco de aumento nos preços dos fretes, o que impactaria diretamente o consumidor final, que já sente no bolso os altos custos de transporte.
Equilíbrio necessário para evitar prejuízos
Outro ponto sensível levantado por Marco Aurélio de Barcelos, diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), foi a necessidade de garantir que a reforma não cause desequilíbrios nos contratos de concessão já existentes. Para ele, a prioridade deve ser manter a atratividade para os investidores, garantindo que os contratos sejam reequilibrados sempre que necessário, principalmente com as novas alíquotas tributárias que a reforma trará.
“Se não houver um mecanismo claro para o reequilíbrio desses contratos, corremos o risco de perder investimentos no setor de rodovias, o que impactaria diretamente a qualidade e a expansão da nossa infraestrutura”, destacou Barcelos. Ele defendeu que a reforma precisa prever mecanismos que garantam a continuidade dos investimentos e a segurança jurídica para os contratos de concessão.
O impacto direto no cotidiano
A reforma tributária promete não apenas reconfigurar a infraestrutura brasileira, mas também influenciar diretamente o cotidiano da população. Desde o preço dos produtos no supermercado até o tempo que passamos no trânsito, tudo está conectado à eficiência dos sistemas de transporte e logística. Se bem planejada e executada, a reforma pode reduzir custos, estimular a modernização dos terminais e tornar o transporte mais ágil e sustentável. Mas, como ressaltaram os especialistas, o sucesso dessa empreitada depende de ajustes cuidadosos e de um equilíbrio entre os incentivos fiscais e a manutenção da competitividade do país.
Mário Povia, do Instituto Brasileiro de Infraestrutura, reforçou que o Brasil precisa de mais produtividade para competir globalmente. “Não podemos ignorar que a reforma é uma oportunidade para modernizar a infraestrutura e reduzir o custo Brasil, mas é crucial que os incentivos sejam mantidos e ampliados. Caso contrário, corremos o risco de inviabilizar novos investimentos, prejudicando o crescimento do país”, alertou Povia.
As discussões seguem no Senado. Em entrevista ao VTV News o senador Izalci Lucas comentou a expectativa que o texto seja discutido e votado ainda esse ano. “É possível se a gente considerar que eles vão acatar as modificações que nós vamos propor. Tem muita coisa pra mudar” destacou Izalci.