Há 9 anos decidi emigrar do Brasil fazendo o caminho inverso dos meus bisavós. Se eles partiam em navios repletos de pessoas em busca de uma vida melhor e fugiam de uma Europa assolada pela pobreza, meu caminho de volta “para casa ou para minhas origens” foi muito diferente e confortável.
Se eles partiram do Norte da Itália para o Brasil, meu destino era Portugal, na verdade o Porto, no norte do país. Minha emigração se deu por um mix de conjunções e circunstâncias. Desilusão existencial, filhos pequenos, e o desalento de se viver em um país que sempre se profetizou ser o país do futuro, mas que mal consegue dar conta do presente.
E cá estou, com a minha família, há exatos 9 anos. Um tempo que passou rápido como num piscar de olhos e que alerta que o tempo voa e que a vida urge e premia o
movimento.
A coluna “Em Terras Lusas” tem como objetivo contar um pouco da minha percepção sobre esse meu “caminho de volta”, mas mais que isso, mostrar aos nossos leitores as peculiaridades de Portugal, que tem chamado a atenção da mídia nos últimos anos.
Nossa coluna vai abordar tudo o que Portugal oferece de melhor. Da culinária aos melhores hotéis, dos pontos turísticos às cidades históricas. Vamos falar do seu povo, de suas lendas e de sua história, sem deixar de falar e abordar o dia a dia do português comum e seu estilo de vida, com todas as alegrias e, muitas vezes, com todas as dificuldades e agruras da vida em Portugal. Afinal nem sempre a grama do vizinho é mais verde e bonita do que a nossa.
Se foram os portugueses que descobriram o Brasil há quinhentos anos, seremos nós que vamos descobrir um tantinho de Portugal através dessa coluna. Para começar com o pé direito e para que nosso leitor possa contextualizar e comparar a cidade onde vive e o Brasil de forma geral com Portugal e os diferentes estilos de vida de brasileiros e portugueses, vale a pena lembrar que Portugal tem aproximadamente 92 mil km quadrados e uma população de 12 milhões de habitantes.
Isso mesmo, meu caro leitor, somos um país pequeno, muito pequeno, a mesma população da cidade de São Paulo. E é essa dimensão de escala que os leitores devem ter em mente quando se fala em
Europa, seja do ponto de vista geográfico ou político. Isso facilita e muito a compreensão das coisas e faz com que nossos pés aterrem no chão.
Preferências e orgulhos nacionais
Se vocês me perguntarem do que os portugueses mais se orgulham, eu diria sem pestanejar, que excetuando o Rei dos Reis, Cristiano Ronaldo, nosso famoso futebolista que atingiu a marca de um bilhão de seguidores no Instagram nesse último mês, um dos maiores orgulhos do povo português é a sua culinária.
E o carro chefe da culinária portuguesa e símbolo da identidade cultural não podia ser outro que não o famoso bacalhau. Presente em praticamente todos os menus dos restaurantes de Norte a Sul do país, é ele a estrela inequívoca da cozinha nacional.
Assado, cozido, à Brás, ou com natas, há uma infinidade de modos de preparo do bacalhau dependendo da região do país onde se esteja. Há até quem diga que há tantas receitas para se fazer um bacalhau quanto são os dias do ano. Se é verdade ou não, desafio o nosso leitor a mergulhar nesse mar inexplorado da culinária portuguesa e fazer suas próprias considerações. De escolha de chefs renomados a formatos menos requintados, o bacalhau também é aproveitado como os pasteis e as pataniscas, e sempre deliciosas.
O bacalhau
Poucos sabem, mas o consumo de bacalhau remonta ao século XIV quando a marinha portuguesa descobriu que o bacalhau seco ou salgado poderia ser armazenado por anos nos porões dos navios, o que se tornou uma excelente opção para manter os marinheiros alimentados por longas viagens.
O fato mais interessante é que o bacalhau não é encontrado em águas portuguesas, mas sim, nas águas no norte do Atlântico, principalmente no Canadá, e na Groenlândia, o que fez com que os portugueses, nos séculos seguintes, se lançassem ao mar para pescá-lo. Mas os custos e riscos eram muitos e os portugueses começaram a importar o bacalhau.
O consumo mais expressivo do bacalhau aconteceu no governo de Antonio Salazar, 1933-1974, que centralizou a organização da pesca no Estado a fim de reduzir a dependência estrangeira e garantir o abastecimento do país. A partir de então, o bacalhau virou um ex libris de Portugal.
Segundo dados do governo português, Portugal consome 20% da produção de bacalhau do mundo e importa 70% do bacalhau pescado na Noruega e que nos chega via Suécia. Confesso que no primeiro Natal que passei na casa de amigos portugueses, estranhei um pouco ao ver que o prato principal da noite de Noel, diferentemente do nosso peru de Natal, era um belo bacalhau cozido, distribuído em generosas postas, acompanhado por cebolas brancas fatiadas, pimentões verdes, ovos, batatas e couves cozidas. Tudo regado à grande com azeite local.
Se o nosso leitor torceu o nariz e acha que o prato principal da noite natalina mais parece uma comida para convalescentes, posso afirmar que a experiência gustativa foi bastante boa e, hoje, o bacalhau tornou-se tradição em nossa casa nas noites de Natal.
Para o leitor que se empolgou em conhecer um pouco da culinária portuguesa ou, ainda, quer arriscar a fazer algumas receitas de bacalhau, indico firmemente o livro do chef de cozinha e especialista em alimentos Leandro Carreira que inclui mais de 50 receitas de bacalhau em seu livro “The Cookbook”, ou ainda, o livro de Vitor Sobral “As Minhas Receitas de Bacalhau”.
Se você gostou da coluna e quer conhecer um pouco mais de Portugal e de minhas experiencias “Em Terras Lusas” aguarde a próxima coluna.