Tem um lado meu que quer encontrar brinquedos em lugares inusitados, cabaninhas de lençol, mini chinelos com elástico no calcanhar, espalhados pela casa. Um lado que acha bonito a bagunça de vida crescendo.
Tem um lado meu que quer a casa arrumada. Que quer casa de gente grande de volta. Casa com cara de quem dá conta da vida, organizada, com tudo no lugar.
Tem um lado meu que quer ficar mergulhado nesse mundinho só nosso. Protegido de tudo que fere e assusta. Na bolha morna, cheia de amor, cheirinho de bebê, colo e carinho.
Tem um lado meu que quer fugir em cavalgada, correndo, cabelos ao vento, sem olhar para trás. Que quer ser livre, leve e solto. Que quer voltar a se perder no mundo.
Tem um lado meu que se orienta pelo reloginho do bebê. Que escuta o tic-tac dos cocôs, puns, mamás, banhos de chuveiro e sonecas. Um lado que vive num eterno dia-noite-dia, e tem um segundo grande amor: a rotina.
Tem um lado meu que quer fazer parte do tempo do mundo, com dias e noites definidos. Que quer escolher quando vai deitar e levantar. Um lado que quer mudar os planos quando bem entender, e ser dono do próprio tempo de novo.
Tem um lado meu que quer viver grudada com a cria. Que quer só olhar para ela e cheirar e lamber e agarrar e trazê-la de volta para dentro de mim.
Tem um lado meu que quer ser só eu um pouco. Que quer ficar sozinho, tomar banho sem escutar bebê chorando, e comer sem mãozinhas puxando. Um lado que sente e pensa coisas difíceis até de dizer em voz alta.
Desde que a vida nasceu em mim, de mim, eu vivo assim, dividida. Há momentos que me sinto partindo ao meio, unida apenas por um fio frágil, que quase arrebenta com os movimentos bruscos da vida.
Mas há outros, quando dois olhinhos brilhantes me enxergam lá no fundo, de repente, como se nunca houvesse quebrado, como se não existisse nada pela metade, eu sou inteira de novo.