Se você é mãe de crianças ou bebês maiores certamente já se pegou fazendo e repetindo coisas que ouviu na infância. Por aqui já soltei o famoso:
– Vou contar até três! Uuuum, doooois, eeee…”
Bem, antes do três eu já estava pensando sobre como consertar, caso minha filha não viesse. Contaria de novo? Continuaria contando até 10? Até que número, afinal, vai a credibilidade de uma mãe?
Tem também as bobagens próprias de família, que só você e seus irmãos conhecem. Em minha casa era:
– Se você demorar mais um pouco para tomar seu banho, o urubu vai pousar na janela, hein!
Vou confessar que essa nos deu trabalho quando usei por aqui. Não sei se porque eu era uma criança bobinha ou se minha filha é esperta demais, mas enquanto a gente não fez um barulho na janela, de urubu tentando entrar, a bichinha não acreditou.
Mas sabe, no meio de tanta coisa questionável que a gente repete – e que nossos pais também repetiram – há grandes ensinamentos.
Há coisa mais profunda do que a clássica das clássicas, o pretinho básico das frases parentais: “você não é todo mundo”?
Juro que consigo escutar minha mãe me respondendo, serena e inabalável, como uma grande mestre budista, ao meu pedido adolescente.
– Mãe, quero uma mochila da Company! Todo mundo da escola tem!
– E por acaso você é todo mundo, menina?
Quando falei isso para minha filha, ela não entendeu nada, chorou, dessa vez como se o urubu estivesse na janela.
Mas eu me escutei. Eu finalmente entendi essa preciosidade – que deveria estar estampada em outdoors – nós realmente não somos todo mundo!
Acontece que, na ânsia de pertencermos, acabamos nos apertando em caixas e grupinhos, nos escondendo atrás de bandeiras, abrindo mão de inventarmos nossas verdades personalizadas e provisórias.
A gente acredita que fazer parte nos trará felicidade. Contudo, só vamos experimentar pertencer quando pudermos nos expressar genuinamente.
Somos feitos da mesma matéria humana, mas cada um tem um desenho único. Nossos pais sabiam, e a parentalidade nos transmite essa sabedoria.
Vamos ensinar aos nossos filhos, mas vamos dizer principalmente para nós mesmos.
Só faremos parte do mundo quando nos permitirmos não ser todo mundo. Nossa maior contribuição é sermos quem somos. Essa é nossa herança mais preciosa, nosso verdadeiro tesouro.