Em uma decisão histórica, o Conselho Universitário (Consu) aprovou por unanimidade, nesta terça-feira (25), a adoção de um sistema de cotas para estudantes com deficiência para ingresso nos cursos de graduação da Unicamp. Pela decisão do Consu, fica estabelecida a reserva de vagas para pessoas com deficiência em cada curso de graduação, sendo uma ou duas vagas por curso, ou até 5% do total de vagas, em caso de vagas adicionais.
As vagas serão disponibilizadas no Edital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sendo aberta a possibilidade de participação tanto para candidatos de escolas públicas quanto privadas. A Unicamp é a primeira das universidades estaduais públicas do estado de São Paulo a adotar o sistema de cotas PcD (Pessoa com Deficiência).
“Hoje é um dia muito feliz para a comunidade acadêmica. Era um desejo da comunidade e desta gestão”, disse a reitora em exercício da Unicamp, Maria Luiza Moretti, ao final da votação. “Trata-se de um compromisso enorme da Unicamp a partir de agora, mas vamos dar conta, podem ter certeza disso”, acrescentou.
Os conselheiros aprovaram a proposta que prevê que o candidato deverá informar o tipo de deficiência e anexar documentos médicos que venham a ser solicitados na inscrição. A partir daí, caberá à Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest) organizar uma junta de especialistas para fazer uma avaliação biopsicossocial do candidato e validar os documentos médicos apresentados. Essa junta será composta por profissionais especializados de áreas diversas.
A adesão das unidades ao programa terá um cronograma a ser seguido. Em até dois anos, devem aderir as unidades que não demandam adaptações significativas, como a construção de laboratórios e a aquisição de equipamentos mais complexos. Em um prazo máximo de até três anos, devem aderir as que exigem algum tipo de adaptação e, em até cinco anos, aquelas que terão de promover adequações complexas, como a construção de laboratórios. De acordo com a Pró-Reitoria de Graduação, no edital a ser lançado em meados de outubro, será conhecido o número de vagas a serem disponibilizadas pelos cursos.
De acordo com dados da Diretoria Executiva de Permanência Estudantil (Deape), a Unicamp conta hoje com 123 alunos que pediram atendimento especializado para os órgãos de apoio da Universidade. Destes, 90 pertencem ao chamado espectro autista.
“É uma alegria muito grande participar desse momento. Trata-se de um momento histórico, e é um grande orgulho fazer parte desta universidade numa decisão assim tão importante”, declarou o pró-reitor de Graduação, Ivan Toro. “Só teremos a real dimensão dos problemas que teremos de superar quando eles surgirem, mas posso garantir que haverá determinação para encarar cada um deles”, afirmou.
Estudante de antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Simion Cruz chorou ao final da votação. Ele comemorou o resultado abraçado à colega Bruna Bimbatti, do Coletivo Anticapacitista Adriana Dias (CoAAD). Ambos participaram diretamente da elaboração da proposta aprovada pelo Consu.
“Trata-se, sem dúvida, de um dia histórico para a nossa luta”, comemorou Cruz. “Agora, uma universidade com o peso da Unicamp abre suas portas para receber pessoas com deficiência. Isso é muito importante”, afirma ele. “Pessoas que antes estavam escondidas em seus lares sabem que agora são bem-vindas e podem estar aqui; fazer pesquisas, produzir ciência. Gente que poderá sair daqui com um diploma nas mãos e ir para o mercado de trabalho”, acrescentou.
“Essa decisão unânime representará uma diferença muito grande na vida de muitas pessoas, que a partir de agora passarão a se sentir pertencentes à Universidade”, disse Bimbatti, estudante do Instituto de Economia (IE). “São pessoas que poderão se sentir pertencentes ao mundo da pesquisa, pertencentes ao mercado de trabalho e pessoas que podem, muito bem, fazer a diferença na Universidade também”, acrescentou ela.
Bimbatti diz que acompanhará de perto os processos de adaptação que ainda serão necessários para que a Universidade ofereça um atendimento adequado a esses estudantes. “Lembrando que não se trata apenas de adaptações físicas, como reformas em prédios e viário. Temos ao menos seis dimensões de acessibilidade que precisamos adotar, uma delas é a atitudinal, por exemplo, a questão da cultura institucional diante das pessoas com deficiência”, afirmou.
Para a professora Ana Almeida, da Faculdade de Educação (FE), que integrou o grupo de trabalho que elaborou a proposta de cotas PcD, a ideia de inclusão no ensino superior deve ser vista como um princípio fundamental para qualquer sociedade que busca a igualdade de oportunidades e a promoção dos direitos humanos. De acordo com ela, para que a inclusão seja efetiva, é necessário não apenas promover o acesso, mas garantir políticas de permanência e condições de pleno desenvolvimento acadêmico para esses estudantes.