Moradores da cidade de Piracaia, no interior de São Paulo, protestam pela preservação do paralelepípedo histórico da cidade, enquanto a prefeitura procura asfaltá-la. O entrave chegou ao Ministério Público para a suspensão imediata da pavimentação, porém o pedido foi negado pela promotoria.
Nesta semana, a administração da cidade deu início a obras de recapeamento asfáltico nas ruas de paralelepípedos, localizadas no centro de Piracaia. As pedras datam desde 1920 e a intervenção tem gerado forte contestação por parte da população, que vê no projeto uma ameaça ao patrimônio cultural da cidade.
Segundo a defesa da Associação de Desenvolvimento Turístico de Piracaia (ADTURP), o projeto altera significativamente a paisagem urbana local, desconsiderando o traçado original de paralelepípedos antigos, considerado parte integrante da Macrozona Especial de Preservação Histórico-Cultural (ZPHC).

O que diz o Ministério Público
A solicitação declinada foi feita pelo advogado Edmilson Armellei, da ADTURP, que ingressou com uma Ação Civil Pública contra o município e a empresa responsável pelo asfaltamento, a Cepavi Engenharia e Construtora LTDA., para impedir a continuidade das obras sobre os paralelepípedos centenários do Centro Histórico.
Apesar do pedido urgente para uma liminar, o 1º Promotor de Justiça de Piracaia do Ministério Público de São Paulo (MPSP), manifestou-se contra a suspensão imediata das obras de asfaltamento no Centro Histórico de Piracaia em resposta ao requerimento feito pela ADTURP. A promotoria considerou desproporcional a remoção do asfalto nesta etapa, por ausência de provas inequívocas de ilegalidade ou dano irreversível. Segundo a manifestação do MP, a licitação para as obras foi regularmente conduzida e respaldada por estudos técnicos.
- A redação tentou contato com a promotoria de justiça do município, e não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

O calçamento, ainda que antigo e vinculado ao traçado urbano centenário, não é considerado tombado nem protegido por salvaguarda formal. Essa condição afasta, no entendimento do órgão, a alegação de lesão evidente ao patrimônio histórico. “Não se trata de bem tombado formalmente, o que afasta a demonstração imediata de dano irreversível”, pontuou o parecer.
Em contrapartida, a promotoria foi a favor da continuidade da ação na fase de instrução, onde será possível produzir perícias técnicas e colher depoimentos que ajudem a esclarecer o eventual descumprimento de normas urbanísticas ou ambientais, o que, segundo a defesa da associação, já está sendo feito.
A remoção do asfalto já aplicado, segundo o MP, seria “medida desarrazoada” diante da fragilidade probatória atual. A recomendação é que o debate sobre a restauração do calçamento, se for o caso, seja retomado após uma apuração mais robusta.
Entrave jurídico entre a Associação e a prefeitura
A associação solicitou uma liminar para suspensão imediata da intervenção, que teria sido iniciada, segundo a defesa, sem Estudo de Impacto de Vizinhança e sem consulta ao Conselho Municipal de Turismo (COMTUR).
A defesa pontua que, apesar de o calçamento não ser tombado formalmente, o Plano Diretor determina sua preservação por seu valor cultural e urbanístico. A associação aponta que a supressão do pavimento configura uma descaracterização do patrimônio histórico e fere o artigo 216 da Constituição Federal, que resguarda bens de valor material e imaterial vinculados à memória coletiva.
Além disso, ainda segundo a defesa, a ausência de consulta prévia ao COMTUR e a falta de estudo de impacto violam a legislação municipal, o que invalida os atos administrativos que autorizaram o asfaltamento.
Em nota enviada ao VTVNews, a prefeitura diz que foram realizados estudos de viabilidade técnica, e que a escolha asfáltica é mais viável economicamente: “De acordo com os estudos de viabilidade realizados, a opção pela pavimentação asfáltica sobre os paralelepípedos é mais viável economicamente e muito mais rápida, se comparada a técnica de remover, reposicionar e reaproveitar os paralelepípedos existentes, com a vantagem inigualável de que a uniformidade da superfície melhorará a trafegabilidade de pedestres e veículos, proporcionando mais conforto e segurança, e sobretudo, trata-se de uma técnica mais inclusiva, já que permite que pessoas com mobilidade reduzida, possam também cruzar as ruas sem os transtornos e percalços decorrentes da inevitável irregularidade que uma superfície em paralelepípedos possui.
Também vale ressaltar que em conjunto com as obras de pavimentação, faz parte do pacote de obras previstos, a implantação de um sistema de reservação subterrâneo, que irá amortizar a contribuição das águas de chuva oriundas do escoamento superficial, com o objetivo de resolver os problemas de alagamentos crônicos que não foram solucionados pelas gestões passadas.
Sendo assim, a Prefeitura mantém seu compromisso, sem renunciar às suas raízes, de trazer desenvolvimento para o Município, utilizando as boas práticas de engenharia que foram adotadas com sucesso em municípios com características culturais e históricas semelhantes.“
Entenda o caso do paralelepípedo
Na entrada da prefeitura da cidade, uma placa disposta para a população declama “minhas pedras são predestinadas“. A dita “ironia do destino”, junto da substituição dos paralelepípedos por asfalto provocou críticas de moradores que associam as pedras ao traçado tradicional do município.
Dezenas de pessoas foram para as ruas da cidade contra a ação da prefeitura. O movimento, segundo alguns membros, foi espontâneo e sem liderança, tudo em prol de uma única pauta: parar o recapeamento e preservar a história.
Ainda segundo alguns membros do movimento, os levantes populares só tiveram início na quarta-feira, após o prefeito da cidade, André Rogério, fazer uma live anunciando as obras. “Fomos pegos de surpresa, na quarta de manhã já tinham máquinas na rua, e tentamos atrasar a operação”, disse a arquiteta e urbanista Lilian Staningher.

“É um desrespeito, uma ideia mirabolante. Um gesto autoritário sem nenhuma conversa com moradores do centro histórico”, disse Ivo Paulino que esteve no primeiro dia de protesto. Para o movimento, trata-se de um elemento identitário que atravessa gerações e confere singularidade ao centro urbano.
A redação teve acesso aos contratos na íntegra e observou que a prefeitura prevê um pagamento total de aproximadamente R$962 mil no prazo de pelo menos 120 dias para asfaltar as principais ruas do centro da cidade. Segundo o Portal da Transparência, dois empenhos foram formalizados pelo executivo nesta semana. Os moradores dizem que, em questão de horas após a assinatura, o maquinário já estava nas ruas.
Impacto ambiental e cultural em Piracaia
Um dos principais pontos de discordância é o impacto ambiental da medida: ao contrário dos paralelepípedos, o asfalto impede a absorção da água pelo solo, o que pode agravar problemas de drenagem e aumentar o risco de alagamentos, especialmente em áreas de relevo e alto fluxo.
O professor de engenharia civil da Universidade Santa Cecília (Unisanta), André Luis Gomes Paes, comenta sobre o risco de alagamento em áreas baixas da cidade: “O asfaltamento, especialmente com pavimentos impermeáveis como o asfalto convencional, aumenta significativamente a impermeabilização do solo. Isso impede que a água da chuva infiltre no solo, fazendo com que ela escoe superficialmente em maior volume e velocidade”.

Luis alerta para a existência do risco caso não exista um sistema de drenagem que atenda a demanda local para mitigar os danos. Além disso, o especialista diz que o paralelepípedo de granito possui uma maior permeabilidade (desde que haja vão entre as pedras), permitindo a infiltração da água da chuva, durabilidade elevada e resistente ao desgaste do tempo. Além disso, ele comenta que para além de reduzir o escoamento superficial, existe um benefício ambiental, de recarga do lençol freático, o que contribui para o equilíbrio hídrico do solo.
“Há a estética e valor histórico, muito usado em centros históricos e áreas de preservação, porém existem algumas desvantagens, como o desconforto para veículos e ciclistas”, comentou o especialista.
A arquiteta Lilian abordou que: “é uma obra muito grande, para uma cidade que já tem problemas com enchentes nas áreas baixas da cidade, onde justamente alaga. O paralelepípedo é nobre, ele diminui e absorve a força da água. Fora o fator histórico, o serviço é pouco. A camada de asfalto está quase na altura da guia. Isso com o tempo vai virar um tobogã”, disse a arquiteta. Segundo moradores, a Praça do Rosário da cidade de Piracaia sofre com fortes enxurradas em período de chuvas.
Contudo, na nota enviada ao VTVNews, a prefeitura através do Departamento de Obras diz que foram realizados estudos técnicos necessários referentes a drenagem: “foram realizados os estudos técnicos necessários referentes a drenagem, onde se constatou que os paralelepípedos existentes possuem uma capacidade drenante praticamente nula, uma vez que suas juntas se encontram totalmente colmatadas, em virtude da deposição de detritos e pela compactação do tráfego ao longo de tantos anos.“
Os moradores que protestaram defenderam que, a conservação das pedras seria economicamente mais viável, além de destacarem que há bairros ainda sem qualquer tipo de pavimentação – lacuna que, segundo os manifestantes, deveria figurar como prioridade nos planos de infraestrutura da cidade.