A recente onda de intoxicações por metanol em São Paulo, provocada pelo consumo de bebidas alcoólicas falsificadas, acendeu um forte alerta entre autoridades de saúde pública e também no setor de bares e restaurantes. Embora os casos tenham ganhado ampla notoriedade nos últimos dias, para quem atua na área a adulteração de bebidas não é novidade.
Segundo a Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (FHORESP), o problema acontece desde 2016, quando foi extinto o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), então operado pela Receita Federal e pela Casa da Moeda.
“Na verdade, o problema já é bastante antigo. Posso dizer que desde 2016, quando foi extinto o Sicob, sistema de controle de produção de bebidas que era da Receita Federal e da Casa da Moeda. Nessa época, as bebidas vinham com um lacre de identificação, mas isso foi extinto. Por isso a falsificação de bebidas se proliferou”, explicou Ênio Miranda, diretor técnico de Planejamento Estratégico e Governança Corporativa da FHORESP.
Dados de uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisas e Estatísticas da própria entidade, divulgados em abril deste ano, revelam que 36% das bebidas comercializadas no Brasil são forjadas, adulteradas ou contrabandeadas, uma estatística alarmante, que escancara a vulnerabilidade do sistema de controle atual.
Impacto direto no setor de bares e restaurantes
Embora ainda não haja dados consolidados, com o avanço das denúncias e a divulgação dos casos de intoxicação por metanol, substância tóxica usada indevidamente em bebidas clandestinas, bares e restaurantes já preveem quedas no movimento e aumento da desconfiança por parte dos consumidores em todo o Estado de São Paulo.
“Ainda não há números exatos em relação ao impacto, porém essa crise com certeza irá impactar o setor.”, afirma Ênio Miranda.
Diante da gravidade da situação, entidades representativas do setor foram convocadas para uma reunião emergencial com o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. A meta é compreender a extensão do problema e definir estratégias conjuntas para combatê-lo.
Uma das ações já em andamento, segundo Ênio, é a formação de um grupo de trabalho entre o Governo do Estado, a FHORESP, representantes da indústria de bebidas e órgãos públicos como a Secretaria da Fazenda, a Segurança Pública e a Vigilância Sanitária. O objetivo é centralizar as denúncias, identificar padrões de falsificação e estruturar ações conjuntas.
“O Governo já está agindo nessa crise imediata, como também no ataque estrutural de longo prazo à questão da falsificação de bebidas. E em breve iremos publicar um documento em conjunto com autoridades com orientações sobre o que fazer, que também será encaminhado para o governo federal, então existe uma união entre os setores e o governo”, explicou o diretor.

Setor também é vítima das falsificações
A FHORESP reforça que o setor de bares e restaurantes também é vítima dessas fraudes. Muitos estabelecimentos, especialmente os que compram de distribuidores informais, podem acabar adquirindo produtos adulterados sem saber. Por isso, a entidade orienta que todos os empreendimentos redobrem os cuidados nas compras, adquirindo bebidas apenas de fornecedores confiáveis e exigindo nota fiscal em todas as transações.
“É uma preocupação importante ilustrar que grande parte do setor trabalha de maneira legal e que quando a nota fiscal é autêntica o produto é autêntico”, conclui Ênio Miranda.
A federação também recomenda a verificação da autenticidade das notas fiscais no portal da Receita Federal, evitando o uso de documentos frios e reduzindo o risco de envolvimento, ainda que involuntário, com o comércio ilegal.
O risco é real e imediato. O metanol, substância encontrada nas bebidas adulteradas, é altamente tóxico, podendo causar danos irreversíveis ao cérebro, fígado e nervo óptico, além de levar à morte.
Custo tributário elevado favorece pirataria
O diretor técnico de Planejamento Estratégico e Governança Corporativa aponta que o problema se mostra de duas formas: primeiro, no produto que se apresenta visivelmente não regular, e segundo, na dificuldade de rastrear a origem econômica. Isso porque, para ele, essas falsificações ocorrem devido à alta carga tributária dos produtos legais.
“A bebida destilada muitas vezes tem carga tributária que ultrapassa os 60%, então, como a carga tributária é muito alta, abre brecha para as indústrias ilegais, as piratarias fabricam produtos para vender muito mais barato. Então, como o setor já sofre com baixas margens, alguns empresários acabam seduzidos por uma oferta de produtos mais baratos”, explica Ênio Miranda.
Uma fatia pequena acaba contaminando todo o setor, então a preocupação da federação é mostrar que a maioria do setor está legalizada, e portanto não tem esse problema.

Orientações do Procon aos comerciantes
Como resposta ao cenário, o Procon Campinas, em conjunto com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e a Vigilância Sanitária de Alimentos da Secretaria Municipal de Saúde, emitiu um comunicado com orientações específicas para os comerciantes de bebidas alcoólicas.
O documento destaca que, em caso de suspeita de adulteração, o comerciante deve:
- Interromper imediatamente a venda do lote;
- Isolar fisicamente as unidades suspeitas;
- Registrar o horário, os responsáveis e preservar as evidências (garrafas, rótulos, caixas);
- Manter uma amostra íntegra do lote para possível perícia.
Casos de intoxicação por metanol em São Paulo
De acordo com a última atualização da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) até segunda-feira (13) o estado registrava 28 casos confirmados, com 5 mortes, e 100 casos em investigação. Uma força-tarefa formada pela Polícia Civil, Vigilância Sanitária e Procon-SP já interditou 13 estabelecimentos, apreendeu quase 19 mil garrafas suspeitas e 378 mil rótulos falsificados. Desde o dia 29 de setembro, 30 pessoas envolvidas nas falsificações foram detidas.