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“A religião é política, e a política é religiosa”: a influência do Papa na história do mundo

O mundo se vira para o Vaticano mais uma vez na história, e o rito secular do Conclave marcará a ascensão de um novo Papa.
Giuliano della Rovere (più tardi Papa Júlio II), Raffaele Riario, tutti nipoti del papa, Papa Sisto IV (Foto: Domínio Público)

O Papa Francisco encerra um legado do Vaticano marcado pelo que especialistas e religiosos chamam de “uma diplomacia ativa, com foco na justiça social e abertura ao diálogo inter-religioso”. Sua liderança incorporou preocupações morais e políticas à Igreja moderna, com ênfase na inclusão, no combate à pobreza e na defesa dos direitos humanos.

A morte do líder católico impõe à Igreja a missão de escolher seu sucessor em um momento de intensas disputas ideológicas e crescente pressão geopolítica. O mundo se vira para o Vaticano mais uma vez na história, e o rito secular do Conclave marcará a ascensão do líder máximo da maior instituição religiosa do planeta. 

Os anuários estatísticos da Igreja Católica referentes a 2025 e ao biênio 2022-2023 mostram um panorama da ação pastoral e da distribuição dos fiéis no mundo. Segundo a pesquisa, em 2024 foram criadas novas dioceses e arquidioceses. Além disso, a população Católica global cresceu 1,15%, chegando a 1,406 bilhão.

O professor Juliano Marcel, mestre em filosofia e especialista em teologia, aponta que o Papa Francisco representou “a expressão máxima daquilo que foi o ideal pensado no Vaticano II”. 

Desde a ascensão das repúblicas e o avanço do liberalismo no mundo, a Igreja foi perdendo espaço institucional na política, mas direta ou indiretamente ainda é instrumentalizada nas repúblicas modernas.

“A figura do Papa passa a ser uma figura de autoridade, de um lado, doutrinal e diplomaticamente, de uma voz moral mundial”, afirma o professor. Com o Concílio Vaticano II, a Igreja retomou o diálogo com o mundo, abrindo-se ao ecumenismo e ao debate público sobre temas universais. 

O relação política entre Igreja e sociedade

Existe um vínculo intrínseco entre política e religião, apesar da busca pela separação entre instituições por parte da sociedade. “A religião é política, e a política é religiosa”, disse o teólogo. Apesar da expressão laica do Estado, Juliano explica que a articulação dos símbolos religiosos ainda são usados para legitimar determinadas correntes e posicionamentos políticos. 

Hoje essa diferenciação é mais perceptível, mas, outrora, a separação não era tão clara. A Igreja participava ativamente da manutenção do poder, por exemplo legitimando a governança de um monarca, consolidando assim o chamado “Direito Divino de Governar” que marcou a idade média. 

Entre o século 13 e 14, Marsílio de Pádua escreveu que “não é função da Igreja governar, e que a instituição deveria se dedicar a imitar Cristo e abandonar o poder secular. A frase atribuída ao autor foi descrita em seu tratado Defensor da Paz, em defesa do recém-eleito imperador do Sacro Império Romano, Ludwig da Bavária. A crítica de Marsílio é pontual na história, e marcou um exemplo periódico da tensão entre as instituições de Estado e da Igreja, mas que só se consolidaram séculos depois.

Após o processo de secularização iniciado no Iluminismo, a Igreja recuou de sua intervenção direta na política. Juliano explica que o século 19 marca um período hostil à Igreja Católica, que vinha sendo questionada pelas sociedades desde a queda das monarquias, e principalmente com a ascensão de movimentos revolucionários, de pensamento e científico.

Diplomacia papal e mediação de conflitos

A intervenção do papado para intermediações políticas não é novidade na história. Em 1479 o Papa Alexandre VI (um espanhol) esteve envolvido na criação do Tratado de Tordesilhas, propondo uma linha divisória combinada de norte a sul, leste a oeste no globo. A divisão de terras foi feita entre a Espanha e Portugal na época, e ensinada até hoje nas escolas.

Planisfério de Cantino (1502)/ disponível em: https://www.researchgate.net/figure/PLANISFERIO-CANTINO-1502_fig1_310604894

Posteriormente, até meados do século 21, a Igreja Católica passou a ser mais comedida e limitada a questões burocráticas institucionais. Após as duas grandes guerras, e com as tensões da guerra fria, o papado começa a assumir um papel de mediador da paz. Décadas antes de Francisco, o papado já chamava atenção de diplomatas e líderes mundiais. A frase “Nunca mais a guerra!” (“No more war!” ou “Jamais la guerre!“) foi dita pelo Papa Paulo VI em seu histórico discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 4 de outubro de 1965.

O discurso marcou a primeira vez que um Papa falou na ONU, e a frase se tornou uma das mais emblemáticas da mensagem pacifista da Igreja Católica no contexto da Guerra Fria. O professor destaca que a atuação diplomática do Papa tem também um caráter pastoral. A mediação de conflitos, a crítica a regimes autoritários e a defesa de comunidades cristãs em zonas de guerra são vistas como expressões desse compromisso.

Sim, podemos pensar a diplomacia como uma preocupação pastoral também”, afirma. Ele lembra a aproximação promovida por Francisco entre a Igreja da Rússia e o governo de Vladimir Putin como exemplo de articulação em tempos de paralisia diplomática global.


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O Papa está olhando além das vítimas em geral. Entre elas estão também cristãos da Igreja, padres em ambientes hostis, em conflito”, diz o teólogo. Para ele, ignorar essas realidades seria omitir-se diante da injustiça.

Juliano Marcel ressalta que o conclave não se limita à espiritualidade. Trata-se também de um ambiente marcado por negociações e interesses geopolíticos. “O mundo está com dificuldade de fazer diplomacia”, explica, e a Igreja, com sua presença global, passa a ocupar esse espaço na busca pela paz.

O conclave e a tensão interna

Na avaliação do professor, a escolha do novo pontífice ocorre sob influência de correntes reformistas e conservadoras, e em um contexto de negociações internas. O próximo Papa herdará o desafio de manter a abertura ao mundo sem romper com as estruturas tradicionais da Igreja.

Francisco não era um nome favorito por parte da ala mais conservadora da Igreja Católica”, pontuou. Com isso, a escolha de Jorge Mario Bergoglio (o Papa Francisco), pode ter sido resultado de fortes negociações durante o Conclave de 2013.

Novo ciclo, velhas perguntas

A sucessão de Francisco reacende o debate sobre o futuro da Igreja e dos mais 1,408 bilhões de fiéis que seguem seus valores. Se por um lado há expectativa por continuidade no diálogo com o mundo, por outro persiste a receosa possível tensão com setores que defendem o retorno a estruturas mais conservadoras.

O Vaticano confirmou, por meio do cardeal Kevin Farrell, camerlengo da Santa Sé, a morte do Papa Francisco no dia 21 de abril. Internado em 14 de fevereiro com um quadro de pneumonia que afetou ambos os pulmões, o pontífice apresentou leves melhoras nas semanas seguintes, mas permaneceu sob observação médica até o óbito ser oficializado.

Diferentemente do conclave que elegeu Francisco em 2013, o atual colégio eleitoral tem perfil mais descentralizado:

  • Na ocasião, 56% dos votantes eram europeus.
  • Hoje, a participação do continente caiu para 39%.

A mudança é reflexo direto do papado de Francisco, que buscou ampliar a representatividade de cardeais de regiões periféricas da Igreja, como África, Ásia e Oceania.

Dos 135 cardeais com direito a voto, 108 foram nomeados por Francisco. Outros 22 foram indicados por Bento XVI e cinco por João Paulo II. A Itália segue como o país com maior número de eleitores (17), seguida pelos Estados Unidos (10) e pelo Brasil (7).

Autor

  • Iago Yoshimi Seo

    Jornalista de profundidade, autor do livro A Teoria de Tudo Social: Democracia LTDA., e ambicioso por política e debates

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