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Nem capitalismo, nem socialismo; o Brasil consegue ser ruim em tudo

No Brasil, a promessa de ascensão social virou lenda urbana, e essa é a mais dolorosa verdade que você lerá nesta coluna.
Nem capitalismo nem socialismo, o Brasil é ruim em tudo (Foto: Arquivo Pessoal / geração automática)

Menos de 2%. Essa é a probabilidade de uma criança brasileira, nascida entre os 50% mais pobres, alcançar o topo da pirâmide de renda — os 10% mais ricos — quando adulta. Menos de 2% também conseguirão terminar uma faculdade. Para metade delas, o máximo será o fim do ensino médio. É o que mostra o novo Atlas da Mobilidade Social, publicado pelo Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS). Os dados só demonstram que no Brasil, a escada da mobilidade está quebrada — e, para muitos, sequer existe.

Os números jogam por terra qualquer retórica de “mérito” ou de “esforço individual” como explicação para a desigualdade. Afinal, se o ponto de partida determina quase integralmente o ponto de chegada, o nome disso não é capitalismo meritocrático — é castas sociais com verniz de livre mercado, e demonizado por grupos políticos que desejam pelos mesmos meios diferentes fins, como um “Estado maior” ou “revolução”. 


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Os dados do IMDS indicam que dois terços das crianças pobres permanecerão pobres. O Sul do país até apresenta um índice menos brutal (41,4%), mas no Norte e Nordeste a inércia é quase total: mais de 76% seguem no mesmo degrau.

Mesmo o aumento da escolaridade não reverte o jogo. Entre 2012 e 2021, a população mais pobre estudou mais — os anos médios de escolaridade subiram de 6,4 para 8,1. No entanto, a renda do trabalho caiu 26,2%. Ou seja: estudaram mais para ganhar menos. A lógica do “invista em você que o retorno virá” se revela, no caso brasileiro, uma piada cruel. E já que estamos falando em piadas, aqui vai outra: segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento, o brasileiro precisou trabalhar 149 dias somente para pagar impostos. Uma comédia trágica.

E há quem ainda tente culpar a cultura, a preguiça, ou o “povo que não quer trabalhar”. Mas a explicação é mais estrutural, mais profunda e mais incômoda: o capitalismo brasileiro não se estruturou como em outras repúblicas. A lógica econômica no Brasil falhou em instigar a capitalização e a criação de riqueza. O capitalismo, dizia Weber, surgiu do protecionismo econômico individual, o que é incompatível com uma tributação que está majorada no consumo. O brasileiro trabalha para consumir, para assim cobrir os impostos que sustentam a cara máquina pública. Não somos educados a poupar, e está aí a razão. Alguém precisa pagar o carro oficial dos deputados em Brasília.

Países tão diferentes quanto Coreia do Sul, China e Noruega conseguiram, cada um à sua maneira, elevar vastas parcelas de suas populações à dignidade material. A Coreia do Sul, em meados do século XX o país mais miserável do mundo, tem hoje menos de 15% da população abaixo da linha da pobreza. 

A Noruega, um dos sistemas mais igualitários do planeta, praticamente erradicou a miséria. A China, mesmo sob o crivo das arbitrariedades do regime, afirma ter eliminado a pobreza extrema em 2020. No Brasil, seguimos no século XIX em termos de mobilidade social — apenas com mais wi-fi e delivery.

Não se trata de endeusar modelos alheios. Tampouco de sonhar com um capitalismo de manual, como se existisse uma versão pura esperando ser instalada. Também não adianta evocar fantasmas de ditaduras proletárias, como se o Brasil já não tivesse fracassado em sua própria ditadura, autoritária, oligárquica e corrupta. O ponto é simples: não há modelo que funcione num país onde a elite pensa com o fígado, a classe média vota com o ressentimento e os mais pobres são tratados como estatística ou massa de manobra.

Enquanto o país discute “emendas Pix”, idols de TikTok e jogadores de apostas disfarçadas de empreendedorismo, o debate sério sobre mobilidade e desenvolvimento é deixado para os relatórios técnicos, que ninguém lê. Governam-nos os espertos — não os inteligentes, mas os que sabem exatamente como lucrar com a burrice alheia, travestida de opinião própria.

No Brasil, a promessa de ascensão social virou lenda urbana, e essa é a mais dolorosa verdade que você lerá nesta coluna.


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Autor

  • Iago Yoshimi Seo

    Jornalista de profundidade, autor do livro A Teoria de Tudo Social: Democracia LTDA., ambicioso por política e debates

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