Celebrado neste 20 de novembro em todo o Brasil, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra é, mais do que um momento de reflexão para a sociedade, uma data para reafirmar a importância de os agentes públicos adotarem políticas para esta parcela da sociedade. Neste contexto, Santos – com extensa galeria de personagens negros de relevância histórica – tem posição de destaque em termos de direitos garantidos em legislações voltadas para negros e afrodescendentes.
A celebração nesta quarta-feira (20) em Santos contará com homenagem, às 11h, no busto de Zumbi dos Palmares, na Praça Palmares (Embaré). O evento terá apresentações da Banda da Polícia Militar, de capoeira com mestres Sombra e Márcio; xirê dos orixás (ritual do candomblé para comemorar o nascimento de um adepto ou para homenagear um orixá específico) com pai Marcelo e mãe Denise, afoxé Obalafin, Velha Guarda da X-9, Velha Guarda da União Imperial, dança cigana da Tienda Companhia Romai e balé afro. Veja a programação completa do Mês da Consciência Negra.
Santos adota políticas públicas para negros e afrodescendentes como cotas de 20% de vagas para afrodescendentes nos serviços públicos e autarquias, Lei do Afroempreendedorismo, Fundo Municipal de Igualdade Racial, Comitê à Lei 10.639, que trata da obrigatoriedade do estudo da cultura afro-brasileira e africana nas escolas, o Comitê de Atenção à Saúde da População Negra. A Cidade também realiza o festival Santos Arte Preta, com diversas atividades ligadas à cultura afro e promove o Concurso de Arte Preta, que premia, com total de R$ 200 mil, 10 projetos culturais que evidenciem as culturas africana e afro-brasileira.
O responsável pela Coordenadoria de Promoção de Igualdade Racial e Étnica (Copire) da Prefeitura, Ivo Evangelista, informa que em breve o Município também deve contar com um selo para empresas parceiras da igualdade racial. “A empresa que tiver nos seus quadros 20% de afrodescendentes receberá este selo, que será válido por um ano, podendo ser renovável”.
Sobre a importância de se celebrar esta data, o responsável pela Copire entende que “este é um dia muito importante, de luta e resistência”. Ivo Evangelista recorda que ‘zumbi’ em um dialeto africano significa “aquele que não morre”. “A cada ano se renovam os nossos sonhos de ver o negro colocado de forma igualitária na sociedade, socialmente, culturalmente e financeiramente”.
O caso da casa no Centro
Quando se fala em consciência negra em Santos, vale ressaltar um capítulo, nem sempre muito citado nos livros de história, que ocorreu em um dos principais casarões históricos da Cidade: a Casa da Frontaria Azulejada, no número 92 da Rua do Comércio, no Centro. Ivo Evangelista ajuda a lembrar esse episódio: “O português Ferreira Neto, comendador abastado do tempo do Império, era o dono da Casa da Frontaria Azulejada e deixou uma alforria ‘pós mortem’ (póstuma). Ele queria que seus 217 escravizados estivessem em liberdade após sua morte”. Mas não foi isso que aconteceu. “A família dele não os libertou”.
Nesse episódio, recorda Ivo Evangelista, entra em cena outro personagem histórico, o advogado abolicionista Luiz Gama. “Considerado o advogado dos escravos, ele veio a Santos e protocolou uma ação para libertá-los”. Quem defendia a ação, da outra parte, era ninguém menos que José Bonifácio de Andrada e Silva. “Passaram-se vários anos até que Luiz Gama venceu a ação”, mas já eram 130 escravizados.
Racismo no mar
Falar em consciência negra é uma das muitas formas de combater o racismo. Tema que ainda pulsa na sociedade, como revela o atleta da Fundação Pró-Esporte de Santos (Fupes) Lucas Sauro. Ele participa de competições de natação em águas abertas e conta que sofreu racismo em 2022 ao participar de uma prova aquática, por seguir a orientação de percurso dada por um membro da organização da competição. “Falaram que eu tinha roubado a prova. Me acusaram de uma forma tendenciosa”. Em outra ocasião, durante um treino, teve de ouvir: “Sabe que preto não nada, né?”.
Para Lucas Sauro, “um mundo sem preconceito racial seria mais feliz e alegre. As pessoas iam se sentir mais à vontade para ir a vários lugares sem medo de sentir preconceito”.
Na visão da guarda civil municipal Teresinha da Silva, um mundo ideal seria “a partir do momento em que todos fossem vistos da mesma forma, da mesma maneira, e que a cor da pele não fosse uma referência para separar as pessoas”.
Alguns personagens históricos da cidade
Alzira Rufino
Dentre outros feitos, fundou em 1986 o Coletivo de Mulheres Negras da Baixada Santista, um dos mais antigos grupos em prol da emancipação de mulheres negras na sociedade brasileira. Já em 1990, fundou a Casa de Cultura da Mulher Negra, uma ONG que tinha o objetivo de contribuir para o desenvolvimento profissional de mulheres negras, além de oferecer apoio jurídico e psicológico para vítimas de violência doméstica, sexual e de racismo. Um de seus maiores reconhecimentos veio em 2005, quando foi uma das 52 brasileiras indicadas para o Projeto 1.000 Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz daquele ano.
Djamila Ribeiro
Feminista, filósofa, escritora e acadêmica brasileira. É pesquisadora e tornou-se conhecida por seu ativismo na internet. A santista chegou a ser incluída na lista da BBC das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo. Foi escolhida ‘Personalidade do Amanhã’ pelo governo francês em 2019.
Esmeraldo Tarquínio
Eleito prefeito de Santos em 1968, não chegou a assumir o cargo porque o regime militar cassou seu mandato pouco mais de um mês antes da posse. Caso tivesse assumido o cargo, teria sido o primeiro prefeito negro da Cidade. Apesar da sua cassação, é considerado oficialmente prefeito de Santos devido a uma lei municipal de 2017.
Dráuzio da Cruz
O homem que dá nome à Passarela do Samba e era também conhecido como Lorde Brilhantina foi um dos grandes sambistas de Santos. Organizou o primeiro Sambão em Santos, na Rua Campos Melo, de 1970 a 1974. Depois, os sambões passaram a ser nas quadras das escolas.
Quintino de Lacerda
Ex-escravo, foi o primeiro vereador negro do Brasil. Se tornou herói abolicionista, líder do Quilombo do Jabaquara e recebeu a patente de major honorário do Exército Nacional. Considerado o primeiro líder político negro de Santos, participou ativamente de dois grandes eventos nacionais: a Revolta da Armada e o processo de desestruturação do sistema escravista no Brasil.