O bom de morar fora é que o imigrante, que faz do seu novo país a sua nova casa, acaba sempre por ter um olhar de turista no país que escolheu. E é esse olhar benevolente que nos move e nos faz conhecer museus, restaurantes, hotéis, parques e cidades sempre que é possível.
Se é assim com a vida cultural e de lazer da cidade escolhida, melhor ainda, é saber que há um país inteiro para conhecer. E tenho agido assim há quase dez anos. Pé na estrada, de ónibus ou de trem, o bom mesmo é partir e descobrir Portugal.
Acredito, salvo engano, que conheço Portugal muito mais a fundo que qualquer português nato. E isso não é mérito meu ou, tampouco, da dimensão do país.
A culpa é mesmo dessa tal curiosidade que nos faz levantar da cama a cada dia e a seguir em frente, mesmo com toda a fama, com toda brahma, com toda lama, como já dizia Chico Buarque naquela canção, não é?
E é compreensível que assim seja; portanto uma ode à santa curiosidade.
Mas morando quase quarenta anos no Brasil, acho que fui pouquíssimas vezes a alguns museus icónicos da cidade de São Paulo, como o Museu do Ipiranga, Masp, e outros tantos que mereciam muito mais a minha atenção, bem como frequentei muito menos do que deveria parques, restaurantes ou teatros. Erro meu, confesso.
O que dirá de se embrenhar em estradas para conhecer cidades do interior de São Paulo ou de estados próximos, que não tem lá muito de especial a oferecer, a não ser a sua singularidade de cidade do interior?
Drama, armadilhas e uma certa soberba de quem nasce e vive na maior capital da América Latina e acredita ser ela o umbigo do mundo. Pois é, como o ditado diz “em casa de ferreiro, o espeto é de pau”.
Porem basta sair do quadrado do cotidiano e do piloto automático, que sufoca a alma e diminui os horizontes, para descobrir uma nova cidade ou um país.
Isso sem contar com a ajuda de amigos ou familiares que quando vem te visitar na “casa nova”, te transformam, muitas vezes, em um verdadeiro guia turístico.
Resultado? Você acaba visitando, pela milionésima vez,aquele museu preferido, jantando naquele restaurante especial, ou indo a uma cidade que acredita ser imperdível.
É o que acontece comigo em relação à cidade de Tomar, uma cidade de apenas 36.859 habitantes, pertencente ao distrito de Santarém, localizada na província do Ribatejo, e cuja grande atração turística é o Convento de Cristo, ou dos Templários, como é mais conhecido.
Considerado Monumento Nacional em 1910, e Patrimônio Mundial em 1983 pela Unesco, a construção do convento iniciou-se no século XII e prolongou-se até ao final do século XVII.
O Convento remonta ao ano de 1160 e está intimamente ligado aos primórdios do Reino de Portugal, cujo papel era desempenhado pela Ordem dos Templários e onde mantinha a sua sede. Depois foi expandido e reconfigurado pela Ordem de Cristo.
Uma visita ao Convento nos faz descobrir os mais diferentes estilos arquitetónicos que decorreram durante esses quase quinhentos anos de construção, com elementos tipicamente românicos, góticos, manuelinos, renascentistas e maneiristas. Uma verdadeira aula de arte.
Já fui, mais de uma dezena de vezes, à Tomar e ao Convento, e por mais que os tenha visitado tantas vezes, sempre acabo me surpreendendo, no bom sentido, ao caminhar pelos solitários corredores dos claustros ou, ainda, diante da suntuosa Charola ou da famosa Janela Manuelina, um ex-libris do Convento. Isso sem falar dos jardins que envolvem o Convento e de onde se tem uma visão panorâmica da cidade.
Mas Tomar também traz outras agradáveis surpresas, uma delas é a igreja de São João Batista que fica na Praça da República, praça principal da cidade. A igreja remonta ao seculo XV e tem um portal manuelino rematado com uma torre piramidal octogonal.
No interior há um púlpito esculpido em pedra, azulejos denominados “Ponta de diamante” e pinturas do século XVI que incluem uma “Última Ceia” de António Lopes.
Se o nosso leitor já se empolgou com essa viagem no tempo, não pode perder e reitero, de forma alguma, a famosa Festa dos Tabuleiros, ou Festa do Espírito Santo, que acontece sempre no mês de julho de 4 em 4 anos. A próxima acontece somente em 2027.
De origem pagã, a grande atração desta festa é o desfile ou a procissão dos tabuleiros, que representa cada uma das freguesias do concelho, o equivalente aos nossos bairros, e que percorre as ruas da cidade,tendo o seu ápice na Praça da República.
Os tabuleirossão decorados com flores de papel colorido, espigas de trigo e trinta pães de quatrocentos gramas cada um, todos enfiados em canas que saem de cestos de vime envolvidos por panos brancos bordados. No topo dos tabuleiroshá uma coroa da Cruz de Cristo ou a Pomba do Espírito Santo.
Uma vez decorados, os tabuleiros são carregados pelas moças, no topo de suas cabeças, para o grande desfile e procissão. Elas devem estar vestidas de branco, variando o traje de cada uma delaspor pequenas faixas ou cintos de cores diferentes que representam a freguesia onde moram. Outra peculiaridade é que o tabuleiro a ser carregado deve ter o mesmo tamanho da altura da moça que o carregará. Uma prova de equilíbrio e harmonia.
A festa conta também com a participação dos moradores que prendem em suas janelas colchas coloridas e decoram as ruas da cidade com tapetes de flores fazendo da Festa dos Tabuleiros a festa mais antiga e a mais conhecida de Portugal.
Além do desfile, a festa é constituída de diversas cerimónias tradicionais como o Cortejo das Coroas, o Cortejo dos Rapazes, o Cortejo do Mordomo ou a chegada dos Bois do Espírito Santo os Cortejos Parciais e os Jogos Populares.
Se todos esses monumentos históricos e eventos não causaram uma curiosidade implacável no leitor em conhecer em sua próxima viagem a pequenita, mas deslumbrante cidade de Tomar, sugiro por fim, ir ao restaurante Taberna Antiga, um restaurante medieval, que fica bem no centro da Praça da Républica e adeliciar-se com quaisquer pratos de um menu tipicamente medieval para lá de apetitoso.
Ir a Tomar é viver uma experiência única e viajar numa cápsula do tempopara um passado de glória, poder e beleza.