A 1ª Vara do Trabalho de Campinas condenou a empresa Robert Bosch Ltda. ao pagamento de indenizações que totalizam R$ 1,8 milhão, como forma de reparar os danos morais coletivos e individuais causados por uma parceria entre peritos judiciais e representantes da empresa para fraudar laudos em reclamações trabalhistas no interior de São Paulo. A ação foi movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), e 86 trabalhadores foram prejudicados ao longo do tempo.
A decisão atende parcialmente aos pedidos do MPT. O órgão ministerial solicitou que a empresa fosse condenada ao pagamento de R$ 68 milhões pela fraude praticada ao longo de quatro anos, incluindo uma indenização coletiva e reparações individuais aos trabalhadores lesados pela prática.
Esquema de fraudes periciais Bosch
O caso teve início em 2016, com a deflagração da “Operação Hipócritas” pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, que cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão contra médicos peritos nomeados pelo Judiciário e assistentes técnicos das partes para atuarem em processos trabalhistas. Eles eram financiados pelas empresas rés nos processos e contavam com a intermediação de advogados, ajustando o pagamento de propinas para a emissão de laudos periciais favoráveis à parte interessada.
Os investigados estão respondendo, de acordo com a participação de cada um, pelos crimes de associação criminosa, corrupção passiva, corrupção ativa e lavagem de dinheiro, com penas que variam de um a 12 anos de prisão para cada crime. Já houve condenações criminais de médicos peritos em cidades como Americana, Campinas e Sorocaba.
O MPT recebeu os autos da Operação Hipócritas e começou a investigar as empresas envolvidas, sendo uma delas a Robert Bosch Ltda., que foi alvo de delação premiada. Segundo as investigações, a multinacional alemã no Brasil contratou uma empresa especializada para prestar serviços de assistência técnica em perícias realizadas em reclamações trabalhistas.
A adesão da Bosch ao esquema de corrupção com os peritos judiciais ocorreu no início de 2010, quando um representante do departamento jurídico da empresa se reuniu com o assistente técnico para discutir medidas para elevar os índices de sucesso da Bosch nas perícias realizadas nas ações trabalhistas. A partir daí, o assistente técnico passou a intermediar o contato com os peritos judiciais no esquema de corrupção, sendo responsável pelo pagamento das propinas para que os laudos periciais fossem fraudados.
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“A articulação para o pagamento de vantagens indevidas aos peritos judiciais realizada pela Bosch e seu assistente técnico ocorreu de forma tão organizada que foi firmado um aditamento ao contrato de prestação de serviços, que passou a prever o pagamento de honorários adicionais, utilizados para o pagamento da propina, sob a rubrica de ‘estudo bibliográfico complementar/levantamento técnico complementar’, com remuneração que poderia alcançar até R$ 3,5 mil por laudo. Assim, a Bosch formalizou, por meio de um aditamento, o pagamento dos valores destinados aos peritos judiciais para fraudar os laudos”, afirmaram os procuradores na ação civil pública.
Segundo as investigações, entre 2010 e 2014, houve o pagamento de valores “por fora” a oito peritos judiciais em 86 reclamações trabalhistas ajuizadas contra a Bosch.
“Em 86 processos, os trabalhadores prejudicados foram submetidos a decisões proferidas com base em laudos fraudados, decorrentes do esquema de corrupção promovido pela Bosch. Na denúncia elaborada pelo MPF, foram detalhados 27 desses processos, com fartas provas da materialidade e autoria delitivas”, afirmam os procuradores.
Foram flagradas trocas de mensagens entre peritos judiciais e o assistente técnico contratado pela Bosch. Em uma delas, o assistente técnico da Robert Bosch enviou ao perito judicial a resposta à impugnação ao laudo pericial apresentada pelo reclamante, que deveria ser elaborada pelo próprio perito nomeado pelo juízo. A resposta elaborada pelo assistente técnico foi apresentada no processo judicial como se ele, o perito judicial, fosse o seu autor. Em outra mensagem de e-mail trocada com o assistente técnico, a perita judicial se refere ao pagamento da propina: “colocar em espécie para evitar rastro”.
“Com base nos laudos fraudados protocolados nos mais de 80 processos, os trabalhadores perderam as causas apresentadas em juízo, sendo impossível para eles comprovar o nexo de causalidade entre o acidente ou doença ocupacional e o trabalho realizado no parque fabril da Bosch, geralmente relacionados a patologias osteomusculares, perda auditiva, entre outras. Eles perderam indenizações, pensões vitalícias, adicionais de insalubridade, convênios médico e fisioterapêutico, e estabilidade acidentária”, lamentam os procuradores.