Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara dos Deputados, decidiu empacotar em regime de urgência uma proposta que pode ampliar o número de cadeiras na Casa — como se o problema do Brasil fosse falta de deputado federal. O projeto abre caminho para a criação de 14 novas vagas, passando de 513 para 527 parlamentares.
O Censo de 2022 revelou que a população brasileira mudou de lugar, e o Supremo Tribunal Federal cobrou uma redistribuição das cadeiras conforme determina a Constituição. Mas o que parece resposta diligente a uma exigência do STF é, na verdade, uma encenação legislativa com final já ensaiado: o Brasil continua, como sempre, a tratar as exceções como regra e os interesses coletivos como detalhe.
A Constituição é clara: o número de deputados deve respeitar a proporção da população de cada Estado, respeitando o intervalo entre oito e 70 parlamentares. Se a regra fosse cumprida à risca, teoricamente sete estados deveriam ganhar cadeiras e outros sete deveriam perdê-las. Mas há um pequeno detalhe: nenhum deputado quer ser o autor do próprio corte. Menos ainda quando isso significa reduzir o poder de sua bancada — e, por consequência, de sua influência no jogo político nacional.
Eis a “solução” mágica: distribuem-se novas vagas aos estados que cresceram sem mexer no número de parlamentares dos que encolheram. Uma conta que só fecha na matemática da conveniência.
Nas redes sociais da Câmara, internautas indignados comentam coisas como: “Pra que mais deputados?”, “É muito político pra pouco trabalho”. O Congresso Nacional brasileiro é reflexo do que eu já trabalhei em meu livro, é uma democracia limitada aos interesses daqueles que dizem nos representar a cada 4 anos.

A proposta atropela as comissões e ignora o espírito da redistribuição para evitar desagradar qualquer estado — especialmente a Paraíba de Hugo Motta, que está na lista dos que poderiam perder assentos. Como num jogo em que só se acrescentam peças ao tabuleiro, ignora-se o equilíbrio. E o custo, claro, sobra para o contribuinte: mais de R$ 64 milhões por ano, segundo informações da Direção-Geral da Câmara. Mas quem se importa? Afinal, o dinheiro é nosso, o privilégio é deles.
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O mais grave, porém, não é a possibilidade do rombo financeiro — é a perpetuação da distorção histórica que corrói o sistema representativo brasileiro. A ausência de atualização periódica, combinada ao número mínimo de representantes por estado, criou um cenário em que o princípio utilitário e representativo nunca se realizou de fato.
Não é a primeira vez que a Câmara opta por tapar um buraco cavando outro. Mas essa inversão de prioridades, típica da política brasileira, revela o quanto o Congresso e muitos dos representantes tornaram-se peritos em fugir das próprias responsabilidades. Em vez de enfrentar as regras que limitam a representatividade, os parlamentares escolhem aumentá-la artificialmente, como quem infla um balão furado. No fim, o problema continua — só que mais caro, mais inchado e ainda mais distante da lógica republicana.
O que se vê, portanto, não é uma correção de rumos, mas uma institucionalização do desequilíbrio e da verdadeira desigualdade social. Se a justiça demográfica é difícil, que se mude a regra. Se a paridade política exige cortes, que se aumente a conta. E se a democracia pede coerência, que se entregue uma nova distorção embrulhada para votação em esforço coletivo. Eis o retrato fiel da Câmara dos Deputados: uma casa onde os votos e as articulações não valem o mesmo, mas os privilégios, sim.