Uma operação conduzida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificou que 163 trabalhadores chineses foram submetidos a condições análogas à escravidão durante a construção de uma unidade industrial da montadora BYD em Camaçari (BA). O anúncio foi publicado pelo próprio MTE na última semana e foram lavrados mais de 60 autos de infração que podem resultar em multas.
A investigação, iniciada em dezembro de 2024 e concluída em maio deste ano, revelou ainda que a empresa trouxe ao Brasil, de forma irregular, um total de 471 trabalhadores estrangeiros. A atuação da Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRTE/BA), por meio de diligências e inspeções no canteiro de obras e alojamentos, constatou que os trabalhadores atuavam sem vínculo formal, submetidos à jornada exaustiva, alojamentos precários e com restrições severas à liberdade de locomoção.
Mesmo com a apresentação de contratos com terceirizadas, os auditores-fiscais concluíram que a BYD exercia comando direto sobre os empregados, configurando vínculo empregatício nos moldes do artigo 3º da CLT.
Além da autuação, o Ministério Público do Trabalho da Bahia (MPT-BA) processou a montadora e outras duas empreiteiras pelas mesmas razões. A ação civil pública foi oficialmente protocolada no fim do mês de maio. O órgão pede um pagamento de R$257 milhões por danos coletivos.
Em nota, a BYD escreveu à época: A BYD reafirma seu compromisso inegociável com os direitos humanos e trabalhistas, pautando suas atividades pelo respeito à legislação brasileira e às normas internacionais de proteção ao trabalho.
A empresa vem colaborando com o Ministério Público do Trabalho desde o primeiro momento e vai se manifestar nos autos sobre a ação movida pelo MPT.
A montadora não se pronunciou oficialmente sobre a ação do MTE até a conclusão desta matéria.

Subordinação direta e fraude migratória
Segundo o MTE, a investigação apontou que, além de manter trabalhadores em situação de vulnerabilidade, a montadora foi responsável por promover um esquema de entrada irregular desses cidadãos chineses no país. Para isso, utilizou indevidamente previsões legais, alegando prestação de serviços técnicos especializados. Na prática, porém, os serviços eram essencialmente manuais e próprios da construção civil convencional.
Um dos autos de infração destaca que a empresa tentou conferir artificialmente um caráter técnico às atividades desempenhadas, ocultando a realidade de um trabalho braçal, repetitivo e desprovido das garantias legais. A conduta foi classificada como tentativa deliberada de fraudar a legislação migratória e trabalhista brasileira.
Violação de direitos e precarização extrema
Três aspectos principais fundamentaram a caracterização do trabalho análogo à escravidão:
- Submissão ao trabalho forçado;
- As condições degradantes;
- Jornada exaustiva;
Segundo os auditores, os trabalhadores não recebiam os contratos prometidos, foram induzidos a aceitar condições que julgavam legais e não podiam romper o vínculo ou retornar ao país de origem.
Nos alojamentos, a precariedade foi registrada pelo MTE: colchões ausentes, alimentos estocados junto a ferramentas, ausência de armários e refeitórios improvisados. Um banheiro era dividido por até 31 pessoas. Os trabalhadores acordavam antes das 4h da manhã para se prepararem para o expediente, e muitos relatavam não ter descanso há semanas. Em campo, a fiscalização embargou áreas de risco e interditou máquinas sem proteção mínima.
A BYD poderá apresentar defesa administrativa aos autos de infração lavrados. Caso os argumentos não sejam acolhidos, a empresa poderá ser multada.