A cada safra recorde no Brasil, os holofotes se voltam para a potência produtiva do agronegócio nacional. Celebramos toneladas colhidas, exportações em alta, protagonismo nos mercados internacionais. Mas pouco se fala do que acontece depois da colheita — e é justamente aí que mora um dos maiores gargalos da cadeia produtiva: a fitossanidade.
Ainda invisível para boa parte da opinião pública e até mesmo subestimada por alguns produtores, a fitossanidade é, na prática, a ciência e o conjunto de ações que garantem que o alimento plantado com tanto investimento e tecnologia chegue limpo, íntegro e seguro ao consumidor final. Trata-se de proteger os grãos de pragas, fungos, roedores e outros microrganismos que podem não só deteriorar a produção, mas inviabilizar completamente sua comercialização.
Segundo o Ministério da Agricultura e a FAO, o Brasil perde cerca de 10 milhões de toneladas de grãos por ano por falhas no manejo fitossanitário na colheita e no pós-colheita. É como se uma parte significativa da safra simplesmente desaparecesse por falta de cuidado com o que foi colhido. Um prejuízo bilionário que poderia ser evitado com um pouco mais de consciência técnica e atitude.
O problema é que ainda existe uma cultura que supervaloriza a produtividade por hectare e negligencia o armazenamento. Muitos produtores investem fortunas em sementes de última geração, defensivos de alta performance, maquinário de ponta — mas armazenam sua colheita em estruturas mal higienizadas, mal monitoradas e vulneráveis a ataques de gorgulhos, traças, fungos e roedores. E quando o prejuízo chega, ele é silencioso e cumulativo: qualidade comprometida, micotoxinas acima do limite, rejeição em mercados externos, e perda de valor de comercialização.
Não se trata apenas de evitar perdas — embora elas sejam enormes. Trata-se de uma questão estratégica. Um lote contaminado por aflatoxinas, por exemplo, pode ser rejeitado por importadores exigentes como os europeus. E não é exagero dizer que, num mundo cada vez mais atento à rastreabilidade e à segurança alimentar, a sanidade vegetal será um dos grandes diferenciais de competitividade global.
É por isso que o investimento em boas práticas de fitossanidade não pode mais ser tratado como um luxo técnico ou uma recomendação secundária. Ele é urgente, essencial e, mais do que isso, viável. O manejo integrado de pragas, por exemplo, já é adotado com sucesso em várias regiões do país. Segundo a Embrapa, sua aplicação correta pode reduzir em até 70% o uso de inseticidas químicos e ainda manter a integridade dos grãos armazenados por mais tempo, com maior valor agregado.
Outro estudo, publicado na Revista Brasileira de Milho e Sorgo (2021), aponta que a simples combinação entre limpeza de silos e controle de temperatura pode diminuir em até 80% a presença de fungos produtores de micotoxinas. Isso sem contar os avanços no uso de inseticidas naturais, como os derivados de algas diatomáceas, que agem por contato, não são tóxicos e não alteram as propriedades alimentares dos grãos.
O que falta, muitas vezes, é vontade de mudar o comportamento dentro das unidades armazenadoras. É preciso envolver operadores, gestores, técnicos e dirigentes num esforço conjunto de conscientização. Armazém não é depósito. É parte crítica da cadeia alimentar. Ali se decide se o esforço de meses no campo vai se traduzir em alimento seguro e lucro garantido — ou em desperdício e prejuízo.
A fitossanidade exige vigilância constante, análise criteriosa, monitoramento da massa de grãos, limpeza rigorosa e ação rápida. Requer conhecimento técnico, mas também uma mudança de mentalidade. E talvez esse seja o maior desafio: convencer o setor de que armazenar bem é tão importante quanto plantar e colher bem.
Enquanto seguimos buscando recordes de produção, vale lembrar que não há alimento saudável sem grão sadio — e não há grão sadio sem fitossanidade. O futuro do agro passa, silenciosamente, pelos silos.