Acostumado com uma estética brasileira padronizada, pautada na juventude eterna de atores e atrizes de novelas, e com apresentadores de telejornal quase todos com idade abaixo dos 50 anos, assistir à televisão portuguesa e me deparar com atrizes, atores, apresentadores de telejornal e comentaristas com mais de 50 anos, quando por cá cheguei, foi um “murro no estômago”. E uma excelente oportunidade para refletir sobre como o nosso olhar é manipulado e moldado sem nos apercebermos.
Se minha percepção foi tão evidente, e de certa forma reveladora, em apenas alguns dias em Terras Lusas, era porque algo de muito ruim havia acontecido ao longo dos mais de 40 anos em que fui exposto. Assim como eu, tantos outros que assistem à televisão brasileira mal percebem o preconceito intrínseco contra aqueles que já não tem mais o frescor da juventude, para atuarem ou estarem na tela da TV, tristemente a despeito de todo talento e experiência que possam ter acumulado. Dito isso, fica claro que na televisão portuguesa a ditadura da juventude eterna não se sobrepõe, de forma alguma, à experiência e ao talento individual.
Que o Brasil é um país que explora e fomenta o culto à beleza e a juventude não é novidade nenhuma, mas excluir, ou eliminar, da telinha da televisão profissionais competentes que não correspondem ao padrão de beleza imposto, a despeito de seus talentos individuais, chega a ser perverso e hediondo.
Há etarismo “estrutural” em terras tupiniquins, simples assim. Mesmo que deteste usar o substantivo “estrutural” por achá-lo piegas e, desnecessariamente utilizado por ativistas de inteligência duvidosa, nesse caso, ele cabe como uma luva.
Portugal é um país com aproximadamente 11 milhões de habitantes, sendo a relação de envelhecimento de 188,1 pessoas com mais de 65 anos para cada 100 jovens. Com esses dados, Portugal é o segundo país mais envelhecido da Europa perdendo somente para a Itália onde essa relação é de 203,3.
Portanto, nada mais normal do que encarar o envelhecimento com naturalidade, seja nas ruas ou na tela da televisão. Acredito eu que ver atores, atrizes e apresentadores de noticiários com mais de 50 ou 60 anos de idade, faz com que o telespectador se sinta suficientemente representado por essas figuras públicas. Felizmente, há inúmeros portugueses que são um excelente exemplo da ausência de etarismo na televisão portuguesa.
O primeiro deles é a jornalista, escritora e consultora histórica Helena Matos. Aos 63 anos, Helena trabalha como jornalista no jornal Observador e é presença constante em programas de debate como comentarista política. No país, não há quem não a conheça e não fique atento às suas sábias, e muitas vezes, acutilantes opiniões.
O mesmo pode-se dizer de José Manuel Fernandes, jornalista e publisher do mesmo jornal. Aos 67 anos, é ele o responsável por um dos veículos de mídia mais lidos no país. Fora isso, os dois comandam diariamente o programa “Contra Corrente” na rádio do mesmo jornal, além de serem habitués nas telas portuguesas, onde expõem seus inteligentes comentários.
Mas há mais. Aos 74 anos, Miguel Sousa Tavares é outro jornalista e comentarista que mantem um excelente espaço de opinião na rede de televisão TVI. Sua coluna “A Quinta Coluna” é um sucesso retumbante, com excelentes números para o ibope português, mesmo que sua opinião, muitas vezes controversa, não agrade a todos os telespectadores.
Outra presença constante e respeitadíssima em Portugal é a jornalista e escritora Maria João Avillez. Aos 79 anos, Maria Avillez tem um background de causar inveja a qualquer um. Detentora de um pensamento ágil e com opiniões contundentes, sempre à frente do seu tempo, é ela a cereja do bolo contra o etarismo em Portugal. Uma dama do telejornalismo. Mas há muito mais exemplos em Portugal e bem haja que seja assim.
Diferentemente do que ocorre no Brasil, os profissionais com mais de 50 anos, seja em qualquer área, em Terras Lusas, não são casos pontuais, aparecendo em grande número, o que não deixa de ser uma lufada de ar fresco àqueles que como eu, primam pela qualidade da informação, por um olhar crítico da sociedade e não somente pela beleza estética que tais profissionais possam oferecer.
Oxalá que esse padrão de comportamento, que dignifica o ser humano, se perpetue ad aeternum.