A frase do Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ainda é rechaçada pela oposição no Congresso Nacional. Durante uma audiência na Câmara para discutir a PEC da Segurança nesta semana, deputados federais relembraram a fala do ministro em uma entrevista, onde afirmou que “a polícia prende mal, e a justiça é obrigada a soltar”. A colocação “infeliz” para o governo, e desconexa com a realidade dos estados, ainda é citada pelos parlamentares, e polarizada pelos discursos políticos ideológicos.
Afinal, a polícia prende, a Justiça solta? A pesquisa Genial/Quaest desta semana mostrou que 86% dos brasileiros estão convencidos disso de fato. E quem ousaria discordar? A narrativa é sedutora, simples e indignada. A polícia é o herói injustiçado, a Justiça, a vilã complacente, e a lei virou um trapo costurado em Brasília por mãos frouxas, manietadas por interesses que nada têm de republicanos.
Mas é preciso colocar o dedo onde realmente dói: a culpa não é da toga, nem da farda. A culpa é do voto mal dado para aqueles que deveriam moderar a lei. É de quem insiste, eleição após eleição, em renovar o contrato social com aqueles que só sabem rasgá-lo. Sim, rasgá-lo — porque o que temos hoje não é mais uma Constituição cidadã, é um pacto natimorto, mumificado em solenidades cínicas. A Carta de 1988, tão sonhada por nossos pais e avós, hoje serve mais como vitrine de intenções frustradas do que como instrumento de ordem e progresso. O Brasil real, esse que sangra nos becos e nas praças, já não cabe nas cláusulas pétreas de um documento que não protege o cidadão, mas faz questão de blindar o poder, e relativizar o crime.
É preciso maturidade política, vigilância permanente e intolerância moral. A lei não é fraca por acidente. Ela é feita por quem não quer ser pego por ela. E enquanto isso não mudar, seguiremos discutindo quantas vezes a polícia vai prender e quantas vezes a Justiça será obrigada a soltar — tudo dentro da mais absoluta legalidade da hipocrisia institucionalizada.
E por falar nisso, a corrupção, velha de guerra, volta a dar as caras como se nunca tivesse saído. É o puro sulco do Brasil na república nova: ministros caem, ex-presidentes são presos, aposentados têm os benefícios raspados no escuro. Tudo isso acontecendo com uma naturalidade que beira o deboche. E o brasileiro? Continua a repetir que o problema é a Justiça que solta — como se os políticos que fazem e desfazem as leis, promovem emendas, ou até medidas provisórias, não tivessem nada a ver com isso. Como se fosse possível reformar o telhado sem tocar nas fundações apodrecidas.
Aliás, os números da pesquisa só escancaram o tamanho do consenso: 94% dos eleitores de Bolsonaro e 82% dos de Lula concordam com a máxima sobre prisão e soltura. É quase um uníssono nacional, e isso não deveria ser tranquilizador — deveria ser alarmante. Naquela velha história, quando o povo inteiro repete a mesma ladainha, é sinal de que existe um maestro tocando o coro.
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É preciso ter coragem para dizer que a legislação, a lei brasileira, é fraca porque é pensada para ser fraca. Porque leis frágeis são como grades de papel para quem tem bons advogados, bons contatos e bons acordos. E enquanto isso, o crime se pavoneia em carros blindados, com Rolex no pulso e advogado 24 horas, enquanto o trabalhador brasileiro, das periferias até os subúrbios da classe média, conta moedas no caixa do mercado.
Corrupção moral é corrosiva justamente porque dissolve a ideia de justiça antes mesmo do crime acontecer. O que esperar de um país onde emendas parlamentares são distribuídas como brindes de festa infantil e decisões judiciais viram troféus de impunidade?
E, veja bem, não estamos falando de episódios isolados. O conceito de corrupção moral é quase como uma instituição paralela, que atravessa séculos, governos e ideologias. Da colônia ao Centrão, da UDN aos partidos do Congresso, de Mem de Sá a diretorias do INSS, ela segue viva, adaptada, sofisticada. E alguns brasileiros, seres resilientes mas pouco regados pela conscienciosidade, seguem votando nos mesmos, esperando resultados diferentes.