Se na coluna passada enalteci o espírito resiliente do imigrante e até ousei parafrasear Euclides da Cunha em sua obra “Os Sertões” dizendo que “o imigrante é, antes de tudo, um forte”, essa coluna aproveita a efeméride do Dia Internacional da Migração, dia 18 de dezembro, para levantar um problema e uma reflexão que está na ordem do dia.
Quer queiramos, ou não, e não somente em Portugal, mas em qualquer parte do mundo, não há um imigrante que não tenha passado algum dia por uma situação de constrangimento social fruto da xenofobia.
Sejamos justos e claros, quanto pior a situação do imigrante, seja em termos intelectuais e financeiros, maior será o grau de xenofobia que esse mesmo imigrante sofrerá. Mas que o nosso leitor não se engane. Uma boa posição intelectual e financeira não garante que esse imigrante, mais bem postado na vida, não seja também discriminado.
Para que o leitor possa melhor compreender e contextualizar o tema dessa coluna, o dicionário Michaelis designa como xenofobia a “aversão ou rejeição a pessoas ou coisas estrangeiras” e, ainda, “temor ou antipatia pelo que é incomum ou estranho ao seu ambiente”.
Tendo estabelecido conceitualmente os princípios que alicerçam a xenofobia, fica claro que não somente os imigrantes são alvo dessa discriminação, como também empresas, marcas, restaurantes ou quaisquer produtos estrangeiros que queiram fazer parte de uma comunidade que não é a sua de origem.
E não precisamos ir muito longe. Muitas lojas do restaurante McDonalds foram vítimas de inúmeros protestos quando tentaram se sediar em uma cidade, ou em um país, cujo apreço pela cultura local ou nacional sempre foi uma questão incontornável e a ser preservada.
Para celebrar o Dia Internacional da Migração, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, uma importante e bem-conceituada entidade portuguesa, divulgou um relatório apontando que dois terços da população portuguesa quer uma diminuição dos imigrantes das comunidades do Brasil e dos países do subcontinente indiano em Portugal.
São os imigrantes da Índia, Bangladesh, Paquistão e Nepal os mais visados: 60.8% dos portugueses inquiridos querem uma diminuição da imigração desse país, cabendo o percentual de 51% à comunidade brasileira.
Ufanismo e xenofobia à parte, essa coluna não tem o intuito de fazer uma caça às bruxas, mas sim de levantar o véu que cobre os olhos para que o problema da xenofobia seja encarado de forma clara e cristalina.
E esse problema não diz respeito somente à sociedade portuguesa, mas a qualquer sociedade que queira ter uma imigração a contento, preservar seus valores nacionais, mas também queira acolher os imigrantes de forma amistosa e serena.
Não é necessário um QI muito elevado para perceber que uma imigração descontrolada e mal regrada gera desconforto entre os nacionais que se sentem “invadidos” por uma população que não é a sua de origem e que tem costumes e valores que, muitas vezes, se contrapõem aos seus.
Um país que quer acolher o imigrante, seja lá de onde esse imigrante vier, e que quer integrá-lo na sociedade, tem obrigatoriamente de ter ou elaborar uma legislação que propicie uma imigração legal, de acolhimento, garantindo aos imigrantes os mesmos benefícios sociais que os seus nacionais, visto que aqueles terão, obrigatoriamente, de pagar impostos e contribuir para a sociedade que lhes acolhe. Direitos e obrigações como qualquer relação mútua e saudável deve ser.
Penalizar o imigrante porque um país seja ele qual for, e nesse caso acho mesmo que Portugal é um mau exemplo, tem uma legislação leniente e facilitista em termos migratórios, é não entender o problema da migração de forma realista, mas sim achar um bode expiatório para esse problema social. E agindo dessa forma simplista, pueril e pouco inteligente cai-se, estupidamente, na esparrela tão conhecida de se culpar o mensageiro e não a mensagem. Simples assim.
Dito isso acho também que a falta de empatia e de cordialidade do nacional que recebe, em sua casa, o imigrante de forma geral, também é uma questão a ser levantada. Não há como negar que, seja em Portugal, ou em outro país qualquer, a maioria das pessoas tem dificuldades em aceitar o diferente, aquele que não lhe é familiar, aquele que supostamente é uma “ameaça” à sua cultura, por conta de sua cor, língua e costumes. Isso sem falarmos da sensação de ameaça ao seu emprego.
Um dado interessante do relatório da Fundação Francisco Manuel do Santos é que 67,4% dos inquiridos dizem que os imigrantes contribuem para mais criminalidade e 68,9% consideram que eles ajudam a manter os salários baixos. Ou seja, o estigma cultural dos países de onde esses imigrantes saíram pesa, e muito, no suposto e possível comportamento do imigrante. Suposições que podem, ou não, se confirmar, mas quem tem racionalidade e paciência para aguardar os resultados?
Se a dificuldade em aceitar o estrangeiro existe, e é humana e compreensível, dar o passo seguinte é necessário tanto de um lado como do outro. Do lado nacional é preciso exercitar a empatia, a simpatia, e quiçá, sair da sua zona de conforto e perceber que o mundo hoje é muito mais global do que já foi um dia. Do imigrante é necessário seguir as regras sociais e jurídicas do país que lhe acolhe, e compreender que o imigrante tem a obrigação de se portar com dignidade e ética redobradas, já que ele está sob o olhar de vigilância do “dono a casa”.
O mesmo relatório também traz um paradoxo interessante, uma vez que 68% dos inquiridos concordam que os imigrantes “são fundamentais para a economia nacional e para a previdência social”.
Ou seja, os inquiridos revelam assim que, apesar da sua relutância em aceitar o imigrante de bom grado, acaba por “engolí-lo” de forma egoisticamente utilitária. Mundo moderno e globalizado com instintos de sobrevivência atávicos. No fundo mesmo, a verdade é que, infelizmente, nós humanos não escapamos ao ditado de que “quem pode mais, chora menos.”