Dados da Pesquisa Game Brasil (PGB 2025) revelam que smartphones concentram a maioria dos jogadores entre as classes mais baixas, enquanto consoles permanecem na preferência quase exclusivas das faixas mais ricas da população brasileira. Especialistas comentam as razões para o fenômeno que escancara uma assimetria: embora jogar seja um hábito difundido, nem todos jogam nas mesmas condições e acessos.
Segundo os dados, mais de 55% das pessoas com renda familiar de até R$ 2.824 jogam pelo celular. Já entre os que ganham acima de R$ 28.240, a preferência por consoles chega a 36,7%. O PC, por sua vez, se consolida entre famílias com renda intermediária — de R$ 5.648 a R$ 14.120.
A relação é direta e estreita: quanto maior o poder aquisitivo, maior a chance de o jogador dispor de um equipamento mais robusto, com acesso à internet de qualidade e jogos mais complexos.

Dispositivos moldam não só o acesso, mas o tipo de jogo
A escolha da plataforma não interfere apenas no “onde se joga”, mas no “como”. Enquanto jogos de console e PC exigem maior capacidade gráfica e conexão estável, os jogos mobile, mais casuais e simples, acabam se tornando padrão entre as classes populares. A limitação de espaço, dados móveis e conectividade restringe também a imersão, o tempo de jogo e a socialização online.
Em comunidades periféricas, celulares antigos viram consoles improvisados, acessórios são adaptados e conexões públicas são utilizadas em horários alternativos — como o tradicional “corujão” das lan houses, onde jovens passam a noite jogando. “A favela produz e consome. Ela transforma o que tem à disposição em ferramenta de cultura e identidade”, afirma Marcivan Barreto, presidente da Central Única das Favelas (CUFA) do Estado de São Paulo e idealizador do programa Favela Gamer.
Marcivan, junto de toda a equipe da CUFA, idealizou o programa a fim de retirar os jovens de lan houses onde o adolescente poderia ter influências negativas, e trouxe para dentro do Favela Gamer, programa patrocinado por grandes marcas para desenvolver o talento da juventude.
“O surgimento do Favela Gamer é justamente para trazer essas coisas boas da lan house, e trazer oportunidades. De capacitar esses jovens para serem grandes jogadores de games. As favelas são criativas. A favela produz e consome. Sempre digo que o game vem para transformar a vida do jovem das periferias“, disse Marcivan ao VTVnews.
Desigualdade de acesso impacta a indústria nacional
A disparidade tecnológica no consumo de jogos também repercute na estrutura de mercado. O deputado Kim Kataguiri, autor do Marco Legal dos Games, afirma em entrevista ao VTVNews que a carga tributária sobre eletrônicos retira do cidadão a chance de consumir e, simultaneamente, freia o desenvolvimento da indústria nacional. “Em países com menos impostos, há mais diversidade de plataformas. No Brasil, o cidadão joga no que consegue pagar”, resumiu.
Para Eduardo Schröeder, especialista em educação tecnológica, o domínio dos celulares vai além da acessibilidade econômica. “O smartphone é o principal dispositivo eletrônico da população brasileira. Há mais celulares ativos do que habitantes. Isso, somado à sua versatilidade, torna natural que se tornem a principal plataforma de jogos”, explica. No entanto, Schröeder aponta que essa prevalência também é reflexo da exclusão das outras alternativas, cuja aquisição e manutenção esbarram na elevada carga tributária sobre eletrônicos no país.
Segundo especialistas, a reforma tributária em curso pode elevar alíquotas sobre serviços digitais e atingir diretamente a cadeia produtiva de jogos. Ainda que haja previsão de isenções parciais — como no caso de jogos educacionais —, o cenário ainda é incerto. Schröeder aponta que políticas públicas como o “Computador para Todos” ou “Inclusão Digital” poderiam ajudar a democratizar o acesso não só ao hardware, mas também à conectividade, considerada uma infraestrutura essencial.

Jogar é cultural, mas com barreiras
A PGB 2025 revela ainda que 88,8% dos brasileiros veem os jogos digitais como uma das principais formas de diversão, e 80,1% os consideram seu entretenimento favorito. O crescimento se traduz em mais tempo jogando, maior reconhecimento de marcas e aumento nos gastos com jogos e acessórios patrocinados.
Ainda assim, o “share of wallet” é diretamente condicionado pelo “share de acesso”. Ou seja, a ampliação do consumo não se dá de forma homogênea. Barreto finaliza: “O game transforma a vida do jovem da periferia. Mas, para isso, ele precisa ter onde jogar.”