Aprovada com aquele velho entusiasmo de quem faz pose para foto enquanto saboreia o vazio do gesto simbólico, a PEC que acaba com a reeleição para cargos do Executivo passou nesta semana pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A proposta ainda precisa ser aprovada pelo plenário do Congresso, mas já carrega nas costas o peso de uma promessa mal ensaiada: a de que a limitação da reeleição seria um antídoto contra a crise de representatividade no Brasil. Não é.
A mudança prevê mandatos de cinco anos e o fim da recondução imediata para prefeitos, governadores e presidentes, a partir de 2030. Soa moderno, civilizado, coisa de país europeu. Mas aqui é Brasil, e por aqui, cortar a reeleição não é sinônimo de cortar o vício no poder – é só trocar de copo.
Quem acha que limitar a continuidade no cargo resolve a doença crônica do patrimonialismo político nacional nunca viu um “padrinho” de campanha em ação. A reeleição morre, mas os acordos permanecem. Os apadrinhados ganham fôlego novo, sustentados pela popularidade de quem, mesmo fora da disputa, ainda distribui benesses, nomeações e influência como quem joga milho para atrair pombos no centro da cidade. E o eleitor, entre alienado e exausto, continua apertando “confirma” para quem herdou a máquina – sem nem perceber que mudou o dono, mas não o manual de uso.
O que não se ensina nas universidades – nem nas públicas, nem nas privadas, nem tampouco nos cursos caros de pós-graduação em ciência política – é que o verdadeiro poder se manifesta no uso do capital político. Uma liderança que de fato queira transformar pode gastar seu capital político para fazer reformas estruturantes, rever pactos federativos, enfrentar corporações. Mas o que se vê é o contrário: usa-se o capital político como moeda de troca para manter o próprio grupo no comando, mesmo que por interposta pessoa. Uma troca de crachá, jamais de projeto.
É por isso que a proposta soa bem, mas cheira mal. Porque não é no modelo que está o problema – e sim no modelo mental do eleitor brasileiro. Trocar o ciclo da reeleição por mandatos únicos mais longos pode até dar uma ilusão de renovação, mas não resolve a corrosão institucional alimentada pela cultura da barganha, do compadrio, da miopia cívica e do vantagismo.
Rousseau dizia que, se o povo escolhe mal os seus representantes, então o problema não está no governo – mas no próprio povo. Essa ferida é difícil de encarar, mas precisa ser exposta: o Brasil é, hoje, a expressão mais grotesca da democracia representativa, justamente porque o representado talvez desconheça o peso de seu próprio voto. Vota por impulso, por ressentimento, por desinformação – e cobra com indignação seletiva aquilo que entregou de bandeja por conveniência.
Não se iluda, leitor. O fim da reeleição pode até parecer avanço institucional, mas é maquiagem constitucional em um rosto corroído por décadas de deseducação política. O problema do Brasil não é o sistema eleitoral. O problema é quem digita o número na urna – e nem sabe o que está contratando.