A cabotagem, transporte marítimo de cargas entre portos brasileiros, teve um crescimento expressivo em 2023, movimentando 1,5 milhão de contêineres – um aumento de 20% em relação ao ano anterior. Apesar desse avanço, o setor ainda aguarda a regulamentação da Lei 14.301/22, conhecida como BR do Mar. Um decreto do Executivo deve esclarecer pontos essenciais, como o uso de navios estrangeiros e os critérios para contratos de longo prazo.
O tema foi debatido em dezembro em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, que reuniu parlamentares, especialistas e representantes do setor. Na ocasião, a Frente Parlamentar de Portos e Aeroportos e o Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBI) destacaram a necessidade de ajustes na legislação para garantir mais segurança jurídica e atrair investimentos.
Navios estrangeiros e segurança jurídica
A BR do Mar foi criada para ampliar a frota disponível na cabotagem e reduzir os custos operacionais. Entre as medidas da lei, está a possibilidade de empresas brasileiras operarem navios estrangeiros sob determinadas condições. No entanto, especialistas alertam que a regra não trouxe os resultados esperados.
De acordo com Luiz Fernando Resano, diretor-executivo da Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (ABAC), a economia prevista com o uso de embarcações estrangeiras não se concretizou.
“O programa de estímulo à cabotagem previa que empresas brasileiras de navegação poderiam trazer navios estrangeiros para operar, mantendo a bandeira estrangeira. A ideia era que esses navios teriam um custo operacional menor, mas, como a exigência de ter tripulantes brasileiros foi mantida, o custo acabou sendo o mesmo. E nós, particularmente, não concordamos com a ideia de usar mão de obra estrangeira para reduzir custos”, destacou Resano.
Outro ponto de incerteza para o setor é a definição dos contratos de longo prazo, que podem impactar diretamente a entrada de novos operadores na cabotagem.
“O decreto também precisa esclarecer outra questão: o que é um contrato de longo prazo? Seis meses é longo prazo? Um ano, cinco anos? Isso vai impactar diretamente a entrada de navios estrangeiros no setor. Empresas precisam dessa segurança para operar, e hoje não há clareza sobre isso”, apontou o diretor.
Incentivos para ampliar a cabotagem
Além da regulamentação do BR do Mar, especialistas defendem que o governo incentive mais empresas a adotarem a cabotagem como alternativa ao transporte rodoviário. Para Resano, os estímulos precisam beneficiar os usuários desse modal, e não apenas as empresas de navegação.
“O governo precisa trabalhar para que os usuários se conscientizem melhor sobre a cabotagem. Nós, do setor, já mostramos a eficiência, os ganhos ambientais, mas o incentivo precisa ser para quem usa esse transporte. Assim, mais empresas podem aderir e tornar o modal ainda mais viável”, afirmou.
A cabotagem também é vista como uma solução mais sustentável para o transporte de cargas no país. Segundo Resano, um navio pode transportar milhares de contêineres, enquanto um caminhão transporta no máximo dois, tornando o modal marítimo quatro vezes menos poluente.
“O navio polui menos porque transporta muito mais carga de uma vez só. Hoje, um dos desafios do Brasil é reduzir emissões e equilibrar sua matriz de transporte. Incentivar a cabotagem pode ser um caminho para isso”, explicou Resano.
Perspectivas para o setor de transporte marítimo
A regulamentação da BR do Mar segue em debate, e a expectativa é que o governo publique o decreto nos próximos meses. Enquanto isso, a Frente Parlamentar de Portos e Aeroportos e o IBI continuam acompanhando as discussões para garantir que o setor tenha regras mais claras e atrativas para novos investimentos.
Sem essa definição, o crescimento da cabotagem pode ser limitado, impactando tanto a economia quanto a eficiência do transporte de cargas no Brasil.