A iniciativa Eletrosolidário, que transforma resíduos eletroeletrônicos em impacto socioambiental positivo, foi apresentada pela Legião da Boa Vontade (LBV) durante o Fórum Político de Alto Nível da ONU (Ecosoc), realizado em julho deste ano, em Nova York.
O programa que surgiu na região de Campinas foi destacado como exemplo brasileiro de economia circular com forte aderência aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sobretudo os ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico) e ODS 17 (parcerias eficazes).
Idealizado em parceria com a indústria Fox, o Eletrosolidário consiste em um sistema de logística reversa que recolhe eletroeletrônicos usados, encaminha para tratamento ambientalmente adequado e converte parte do valor arrecadado em fomento a projetos sociais. ONGs como APAE e a própria LBV atuam como pontos de coleta credenciados, sendo remuneradas pelo serviço, o que fortalece financeiramente ações de base comunitária.
“Temos hoje centenas de pessoas no Brasil sustentando suas instituições com a coleta de eletrônicos. É uma forma concreta de transferência de valor para essas micro sociedades”, afirmou Marcelo Souza, CEO da Fox ao VTVNews.

Economia circular em prática
A fábrica recém-inaugurada da Fox, em Campinas (SP), foi citada como marco dessa política sustentável. O espaço prevê até 400 empregos diretos e a atuação de 10 mil pessoas de forma indireta, entre coletores e organizações parceiras. Segundo o prefeito Dário Saadi, trata-se de um empreendimento “com a cara de Campinas”, que gera emprego qualificado e protege o meio ambiente.
“Esse tipo de empresa moderna mostra o caminho para um futuro mais sustentável. Além da carteira assinada, o trabalhador ganha benefícios que ampliam a qualidade de vida”, pontuou o prefeito.

Na prática, o processo envolve:
- Descarte dos produtos eletroeletrônicos em pontos de recebimento;
- Armazenamento e transporte adequado até centros de consolidação;
- Reutilização, reciclagem ou tratamento ambientalmente correto;
- Disposição final dos rejeitos em aterros, conforme a legislação.
Impacto ambiental e legislação
A atuação do Eletrosolidário está alinhada à Política Nacional de Resíduos Sólidos e ao Acordo Setorial de 2019, firmado pelo setor produtivo para ampliar a coleta e tratamento de eletroeletrônicos no Brasil.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, esses produtos — ao final de sua vida útil — devem ser destinados de forma adequada para evitar contaminação por metais pesados, incêndios, ou danos à saúde pública.
Embora o Brasil ainda registre índices tímidos de reciclagem em comparação a resíduos sólidos e plásticos, o volume de eletroeletrônicos coletados tem crescido exponencialmente: 1.960 toneladas em 2021, contra 19.959,55 toneladas em 2022.
Segundo Marcelo Souza, o fortalecimento de parcerias com fabricantes — como a Electrolux — permite desenvolver produtos “cada vez mais circulares”, ampliando o ciclo de vida útil e reduzindo os impactos ambientais. Além da coleta, o programa promove capacitação técnica e inclusão produtiva.
“Pensando em ESG, o Eletrosolidário é o santo graal do projeto”, concluiu o executivo.

Impacto financeiro e social nas Apaes
Segundo Cristiany de Castro, presidente da Federação das Apaes do Estado de São Paulo, 107 unidades da entidade já participam do Eletrosolidário, abrangendo diretamente o atendimento a cerca de 20 mil famílias. De acordo com ela, o programa permite que recursos obtidos com a reciclagem ajudem no pagamento de equipes técnicas, custeio operacional e até mesmo na manutenção de serviços essenciais. “Hoje nós temos Apaes no Estado inteiro que já arrecadaram 173 toneladas de lixo eletrônico”, afirmou.
O material descartado passa por tratamento via Fox, e o valor gerado retorna às Apaes, possibilitando reformas, compra de equipamentos e contratação de profissionais especializados, como psicólogos e terapeutas. A dirigente ressalta que esse retorno financeiro viabiliza atendimentos essenciais, especialmente em municípios com poucos recursos para saúde, assistência e educação de pessoas com deficiência.
“O dinheiro arrecadado muitas vezes paga o psicólogo que vai atender uma mãe em luto pelo diagnóstico do filho, ou garante acesso a um atendimento que estaria anos na fila do SUS”, disse Cristiany.
Como participar?
As Apaes participantes funcionam como postos de coleta de lixo eletrônico, e divulgam os endereços e instruções de entrega em seus próprios sites. A doação não precisa ser financeira — a entrega de eletroeletrônicos usados para descarte já representa uma colaboração direta com o meio ambiente e com a inclusão social.
Cristiany destacou que a demanda por atendimento, principalmente para pessoas com transtorno do espectro autista, cresce, mas esbarra na falta de profissionais qualificados. “Você só atende com equipe contratada. E isso custa caro. A destinação correta dos resíduos, nesse sentido, ultrapassa a pauta ambiental — ela reflete em benefícios reais para a sociedade e para as pessoas com deficiência.”
Segundo a federação, os recursos oriundos da venda dos recicláveis também têm sido aplicados na melhoria da alimentação dos usuários, aquisição de mobiliário e até na realização de obras estruturais nas unidades. Para muitas das Apaes do interior, o programa representa a única alternativa de financiamento complementar às verbas públicas.